Vasco Graça Moura – “salmo 136”

20.04.2015

poetas13

não são muitos, são muito poucos, os poetas
que inventam a poesia portuguesa
como radical abalo do mundo, ou metáfora
a estremecer que o refigura, ou como

crispação do destino e subversão,
no risco visceral da sua própria vida.
Assim, e porque toda a liberdade reenvia
ao necessário exílio, eles atrevem-se

a atravessar sem rede o vão por sobre o abismo:
prendem-se a quanto é neles explosão, remorso,
erros, desequilíbrios, amores, visões, enganos,
nuvens de forma humana, pela palavra queimam

contradições passadas e presentes, peregrinam
em sarça que arde, enovelada, a fogo escuro,
iluminando a fronteira dúplice: os reflexos intermitentes
entre os vultos amalgamados de uma greda pobre

e uma sua imagem a lo divino feita;
não são muitos os que enfrentam o real, retesando a
percepção no meio dos salgueiros, em desapego
crepuscular dos instrumentos bíblicos:

flautas e cítaras sobre a terra tão áspera,
que tocam e rejeitam e tocam,
entre a decepção e o declive, no fio bambo
sobre os rios que vão por babilónia.

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