Nota biográfica

Licínia Quitério - Escreveu "Da Memória dos Sentidos", obra com prefácio de José Fanha.

Licínia Quitério – “Das Palavras”

02.02.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Se eu ao menos soubesse o que são as palavras,
de que espuma são feitas, o que escondem por dentro,
havia de comê-las, melhor, saboreá-las,
mastigá-las, sem medo de traição ou veneno.
Como quem morde um pastel, tomar-lhe o gosto.
Depois de deglutir, lamber os beiços, dizer:
Estava bom, o sal na conta, a fritura no ponto.

Se eu ao menos soubesse por que são as palavras,
havia de as trazer no bolso do casaco,
embrulhadas em plumas, não fosse magoar
uma sílaba tónica e a tornasse muda,
incapaz, coitadita, de se fazer ouvir,
sem se arrimar a outra bem aberta
como um tátári vibrante de corneta.

Se eu soubesse o que são, por que são as palavras,
tomaria a brandura do amor em tempo certo,
a quentura da flor que só pede o deserto,
a vibração contida da asa do condor,
e então, em riso, em soluço, em desalinho,
daria à luz palavras, torrentes de palavras,
como quem mata a fome ainda que se mate.

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Licínia Quitério – “Dos Nomes”

02.02.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar

Deram-te um nome.
Um homem tem de ter um nome:
João ou Pedro ou Manuel.

À pedra damos nome de pedra
que o é antes da pedra
e a si se basta.
Às flores chamamos flores,
o nome próprio que lhes dá a cor.

Um homem tem de ter um nome:
José ou Mário ou António,
para caminhar dentro dele.

Quando pegas na pedra,
pensas no nome pedra
e ele te diz da sua substância.
Quando cheiras a flor,
pensas o nome flor
e é ele que te inunda.

Quando olhas um homem,
Afonso ou Jorge ou Joaquim,
vês o seu nome,
a sua marca de água,
o oceano onde navegará
até ao fim do medo.

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