João de Deus – “O Avarento”
13.03.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
João de Deus de Nogueira Ramos ( 8 de Março de 1830 — 11 de Janeiro de 1896), mais conhecido por João de Deus, foi um eminente poeta lírico, considerado à época o primeiro do seu tempo, e o proponente de um método de ensino da leitura, assente numa Cartilha Maternal por ele escrita, que teve grande aceitação popular, sendo ainda utilizado.
13.03.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
Puxando um avarento de um pataco
Para pagar a tampa de um buraco
Que tinha já nas abas do casaco.
Levanta os olhos, vê o céu opaco,
Revira-os fulo e dá com um macaco
Defronte, numa loja de tabaco
(Que lhe fazia muito mal ao caco…).
Diz ele então
Na força da paixão:
Há casaco melhor que aquela pele?
Trocava o meu casaco por aquele…
E até a mim… por ele.
Tinha razão,
Quanto a mim.
Quem não tem coração.
Quem não tem alma de satisfazer
As niquices da civilização
Homem não deve ser;
Seja saguim,
Que escusa tanga, escusa langotim:
Vá para os matos,
Já não sofre tratos
A calçar botas, a comprar sapatos;
Viva nas tocas como os nossos ratos,
E coma cocos, que são mais baratos.
(in “Campo de Flores”, Edição de Jardins-Escola João de Deus.
Nota introdutória de António Ponces de Carvalho, bisneto do Poeta)
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18.02.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar
Certo patrício nosso brasileiro,
Depois de ter corrido o mundo inteiro
Ao voltar de Paris desenganado
Dos médicos, que tinha consultado,
Achou-se num wagon com um inglês,
O desgraçado tinha mal de pés.
E a última palavra da ciência
Era ir vivendo e tendo paciência!
Mostrou-se o bife incomodado,
Fungando para um e outro lado…
Como quem busca o foco de infecção;
Diz-lhe o nosso infeliz compatriota,
A apontar-lhe com o dedo a bota
E exalando um suspiro de paixão:
– Eis a causa, senhor, eis o motivo!…
O que eu não sei é como ainda vivo!
Tenho gasto rios de dinheiro,
E sempre, sempre, sempre o mesmo cheiro!
E isto por ora vá!… mas alto dia
Quando aperta o calor… Virgem Maria!…
“E diga-me: em lavando os pés refina,
Ou sente algum alívio?”
– “Isso não sei,
Sei que tenho exaurido a medicina;
mas lavar é que nunca experimentei.”
Às vezes dá-se ao médico o dinheiro
Que se devia dar ao aguadeiro.
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28.07.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar
O dinheiro é tão bonito,
Tão bonito, o maganão!
Tem tanta graça o maldito,
Tem tanto chiste o ladrão!
O falar, fala de um modo…
Todo ele, aquele todo…
E elas acham-no tão guapo!
Velhinha ou moça que veja,
Por mais esquiva que seja,
Tlim!
Papo.
E a cegueira da justiça
Como ele a tira num ai!
Sem lhe tocar com a pinça;
É só dizer-lhe: -Aí vai…
Operação melindrosa,
Que não é lá qualquer coisa;
Catarata, tome conta!
Pois não faz mais do que isto,
Diz-me um juiz que o tem visto
Tlim!
Pronta.
Nessas espécies de exames
Que a gente faz em rapaz,
São milagres aos enxames
O que aquele demo faz!
Sem saber nem patavina
De gramática latina,
Quer-se um rapaz dali fora!
Vai ele com tais falinhas,
Tais gaifonas, tais coisinhas …
Tlim!
Ora…
Aquela fisionomia
E lábia que o demo tem!
Mas numa secretaria
Aí é que é vê-lo bem!
Quando ele de grande gala,
Entra o ministro na sala,
Aproveita a ocasião:
“Conhece este amigo antigo?
- Oh meu tão antigo amigo!
(Tlim!)
Pois não!
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13.02.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar
Beijo na face
Pede-se e dá-se:
Dá?
Que custa um beijo?
Não tenha pejo:
Vá!
Um beijo é culpa,
Que se desculpa:
Dá?
A borboleta
Beija a violeta:
Vá!
Um beijo é graça,
Que a mais não passa:
Dá?
Teme que a tente?
É inocente…
Vá!
Guardo segredo,
Não tenha medo…
Vê?
Dê-me um beijinho,
Dê de mansinho,
Dê!
Como ele é doce!
Como ele trouxe,
Flor,
Paz a meu seio!
Saciar-me veio,
Amor!
Saciar-me? louco…
Um é tão pouco,
Flor!
Deixa, concede
Que eu mate a sede,
Amor!
Talvez te leve
O vento em breve,
Flor!
A vida foge,
A vida é hoje,
Amor!
Guardo segredo,
Não tenhas medo
Pois!
Um mais na face,
E a mais não passe!
Dois…
Oh! dois? piedade!
Coisas tão boas…
Vês?
Quantas pessoas
Tem a Trindade?
Três!
Três é a conta
Certinha e justa…
Vês?
E que te custa?
Não sejas tonta!
Três!
Três, sim: não cuides
Que te desgraças:
Vês?
Três são as Graças,
Três as Virtudes;
Três.
As folhas santas
Que o lírio fecham,
Vês?
E não o deixam
Manchar, são… quantas?
Três!
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13.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Com que então caiu na asneira
De fazer na quinta feira
trinta e nove anos, que tolo!
Ainda se os desfizesse,
Mas fazê-los não parece
De quem tem muito miolo!
Não sei quem foi que me disse
Que fez a mesma tolice
Aqui o ano passado…
Agora o que vem, aposto,
Como lhe tomou o gosto,
Que faz o mesmo. Coitado!
Não faça tal; porque os anos
Que nos trazem? Desenganos
Que fazem a gente velho:
Faça outra coisa; que, em suma,
Não fazer coisa nenhuma,
Também não lhe aconselho.
Mas anos, não caia nessa!
Olhe que a gente começa
Às vezes por brincadeira,
Mas depois se se habitua,
Já não tem vontade sua,
E fá-los queira ou não queira!
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