Nota biográfica

Federico García Lorca (Fuente Vaqueros, 5 de junho de 1898 — Granada, 19 de agosto de 1936) foi um poeta e dramaturgo espanhol e uma das primeiras vítimas da Guerra Civil de Espanha devido ao seus alinhamentos políticos com a República Espanhola e por ser assumidamente homossexual.

Garcia Lorca – “Cacilda da mulher deitada”

02.11.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Ver-te despida é recordar a terra.
A terra lisa, limpa de cavalos.
A terra sem um junco, forma pura
ao futuro cerrada: confim de prata.

Ver-te despida é perceber a ânsia
da chuva a procurar um débil talo,
ou a febre do mar de rosto imenso
sem encontrar a luz da sua face.

O sangue soará pelas alcovas,
chegará com espada fulgurante,
porém tu não saberás onde se esconde
o coração do sapo ou a violeta.

O teu ventre é uma luta de raízes,
os teus lábios, aurora sem contorno,
sob as cálidas rosas duma cama
os mortos gemem esperando turno.

(Tradução de Eugénio de Andrade)

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Federico Garcia Lorca – “A colhida e a morte”

11.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Pranto por Ignacio Sanches Mejias (Excerto)

Davam cinco da tarde.
Davam as cinco em ponto dessa tarde.
Um moço trouxe uma toalha branca
davam cinco da tarde.
Uma seira de cal já preparada
davam cinco da tarde.
Tudo o mais era a morte e só a morte
davam cinco da tarde.

O vento fez voar os algodões
davam cinco da tarde.
o óxido semeou cristal e níquel
davam cinco da tarde.
Já lutavam a pomba e o leopardo
davam cinco da tarde.
E a coxa com uma haste desolada
davam cinco da tarde.
Começaram os dobres do bordão
davam cinco da tarde.
As campanas de arsénico e o fumo
davam cinco da tarde.
Pelas esquinas grupos de silêncio
davam cinco da tarde.
E o touro só de coração ao alto!
davam cinco da tarde.
Quando o suor de neve foi chegando
davam cinco da tarde.
e quando a praça se cobriu de iodo
davam cinco da tarde.
a morte pôs seus ovos na ferida
davam cinco da tarde.

Davam cinco da tarde.
Davam as cinco em ponto dessa tarde.

Um ataúde em rodas era a cama
davam cinco da tarde.
Ossos e flautas soavam-lhe no ouvido
davam cinco da tarde.
Já lhe mugia o touro pela fronte
davam cinco da tarde.
Irisava-se o quarto de agonia
davam cinco da tarde.
Ao longe aproximava-se a gangrena
davam cinco da tarde.
Tromba de lírio pelas verdes ínguas
davam cinco da tarde.
As feridas queimavam como sóis
davam cinco da tarde.
e a multidão a estilhaçar janelas
davam cinco da tarde.

Davam cinco da tarde.
Ai que terríveis cinco horas da tarde!
Davam as cinco em todos os relógios!
Davam as cinco em sombra dessa tarde!

(Trad. De Vasco Graça Moura)

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