António Aleixo – “Não creio nesse Deus”
10.04.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
António Fernandes Aleixo (Vila Real de Santo António, 18 de Fevereiro de 1899 — Loulé, 16 de Novembro de 1949) foi um poeta popular português. Considerado um dos poetas populares algarvios de maior relevo, famoso pela sua ironia e pela crítica social sempre presente nos seus versos, António Aleixo também é recordado por ter sido simples, humilde e semi-analfabeto, e ainda assim ter deixado como legado uma obra poética singular no panorama literário português da primeira metade do século XX.
10.04.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
I
Não sei se és parvo se és inteligente
— Ao disfrutares vida de nababo
Louvando um Deus, do qual te dizes crente,
Que te livre das garras do diabo
E te faça feliz eternamente.
II
Não vês que o teu bem-estar faz d’outra gente
A dor, o sofrimento, a fome e a guerra?
E tu não queres p’ra ti o céu e a terra…
— Não te achas egoísta ou exigente?
III
Não creio nesse Deus que, na igreja,
Escuta, dos beatos, confissões;
Não posso crer num Deus que se maneja,
Em troca de promessas e orações,
P’ra o homem conseguir o que deseja.
IV
Se Deus quer que vivamos irmãmente,
Quem cumpre esse dever por que receia
As iras do divino padre eterno?…
P’ra esses é o céu; porque o inferno
É p’ra quem vive a vida à custa alheia!
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04.11.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar
A ninguém faltava o pão,
se este dever se cumprisse:
ganharmos em relação
com o que se produzisse.
Quem trabalha e mata a fome,
não come o pão de ninguém,
mas quem não trabalha e come,
come sempre o pão de alguém.
Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo,
calai-vos que pode o povo
querer um mundo novo a sério.
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Acho uma moral ruim
trazer o vulgo enganado:
mandarem fazer assim
e eles fazerem assado.
Sou um dos membros malditos
dessa falsa sociedade
que, baseada nos mitos,
pode roubar à vontade.
Esses por quem não te interessas
produzem quanto consomes:
vivem das suas promessas
ganhando o pão que tu comes.
Não me dêem mais desgostos
porque sei raciocinar…
Só os burros estão dispostos
a sofrer sem protestar!
Esta mascarada enorme
com que o mundo nos aldraba,
dura enquanto o povo dorme,
quando ele acordar, acaba.
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08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
As águias de hoje na guerra,
Com os seus golpes traiçoeiros,
Queimam os pastos da terra…
Morrem de fome os cordeiros.
Da guerra os grandes culpados,
Que espalham a dor na terra,
São os menos acusados
Como culpados da guerra.
o oiro, o cobre e a prata,
Que correm p’lo mundo fora,
Servem sempre de arreata
p’ra levar burros à nora.
Que o mundo está mal, dizemos,
E vai de mal a pior;
E, afinal, nada fazemos
p’ra que ele seja melhor.
Se os homens chegam a ver
Por que razão se consomem,
O homem deixa de ser
O lobo do outro homem.
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