“As pulgas sonham…” de Eduardo Galeano.
30.09.2021
As pulgas sonham em comprar um cão, e os
ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia
mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas
a boa sorte não chova ontem, nem hoje, nem
amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do
céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a
chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou
se levantem com o pé direito, ou comecem o ano
mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo
a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem
nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.
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