Sofia de Mello B. Andresen – ” Noturno da Graça”.
25.11.2013
Há um rumor de bosque no pequeno jardim
Um rumor de bosque no canto dos cedros
Sob o íman azul da lua cheia
O rio cheio de escamas brilha.
Negra cheia de luzes brilha a cidade alheia.
Brilha a cidade dos anúncios luminosos
Com espiritismo bares cinemas Com
torvas janelas e seus torvos gozos
Brilha a cidade alheia.
Com seus bairros de becos e de escadas De
candeeiros tristes e nostálgicas Mulheres
lavando a loiça em frente das janelas Ruas
densas de gritos abafados Castanholas de passos
pelas esquinas Viragens chiadas dos carros
Vultos atrás das cortinas Ciclopes alucinados.
De igreja em igreja batem a hora os sinos
E uma paz de convento ali perdura
Como se a antiga cidade se erguesse das ruínas
Com sua noite trémula de velas
Cheia de aventurança e de sossego.
Mas a cidade alheia brilha Numa
noite insone De luzes fluorescentes
Numa noite cega surda presa Onde
soluça uma queixa cortada.
Sozinha estou contra a cidade alheia.
Comigo
Sobre o cais sobre o bordel e sobre a rua
Límpido e aceso
O silêncio dos astros continua.
Podcast (estudio-raposa-audiocast): Download