António Botto – “Nem sequer podia…”
19.09.2013
Nem sequer podia
Ouvir falar no teu nome.
E se fixava o teu vulto,
Irritava-me, sofria
Por não poder insultar-te…
Até que um dia,
– Foi no inverno, anoitecia.
Chuviscava; – uma chuvinha
Impertinente e gelada
Como sorriso de ironia
Numa boca desejada.
Já não sei o que disseste;
Nem me lembro do que disse…
A chuva continuava.
Atravessámos um jardim. E à
luz fosca Dum candeeiro,
Segredaste ao meu ouvido:
Quero entregar-te o meu corpo.
E eu acrescentei: – Pois sim.
A chuva tornou-se densa. Eu ia
todo encharcado. Por fim,
chegámos; entrei…
Um marinheiro descia
Ajeitando a camisola
E compondo os caracóis.
Era uma casa vulgar,
Aonde o amor
– Oculto a todos os sóis,
Se vendia a troco da “real mola”.
Arrependi-me. Blasfemei…
Mas quando abandonei os teus braços
Senti que tinha mais alma!
E nunca mais te encontrei.
Podcast (estudio-raposa-audiocast): Download