Nota biográfica >>

Mário de Sá-Carneiro (Lisboa, 19 de Maio de 1890 — Paris, 26 de Abril de 1916) foi um poeta, contista e ficcionista português, um dos grandes expoentes do modernismo em Portugal e um dos mais reputados membros da Geração d’Orpheu.

Mário de Sá-Carneiro – “Serradura” (sem música)

28.08.2013

A minha vida sentou-se 

E não há quem a levante, 

Que desde o Poente ao Levante 

A minha vida fartou-se.

E ei-la, a mona, lá está, 

Estendida, a perna traçada,

No infindável sofá 

Da minha Alma estofada.

Pois é assim; a minhAlma 

Outrora a sonhar de Rússias, 

Espapaçou-se de calma,

E hoje sonha só pelúcias.

Vai aos Cafés, pede um bock, 

Lê o “Matin” de castigo, 

E não há nenhum remoque 

Que a regresse ao Oiro antigo!

Dentro de mim é um fardo 

Que não pesa, mas que maça: 

O zumbido dum moscardo, 

Ou comichão que não passa.

Folhetim da “Capital” 

Pelo nosso Júlio Dantas -

Ou qualquer coisa entre tantas 

Duma antipatia igual…

O raio já bebe vinho, 

Coisa que nunca fazia,

E fuma o seu cigarrinho 

Em plena burocracia!…

Qualquer dia, pela certa, 

Quando eu mal me precate, 

É capaz dum disparate, 

Se encontra uma porta aberta…

Isto assim não pode ser…

Mas como achar um remédio? 

– Pra acabar este intermédio 

Lembrei-me de endoidecer:

O que era fácil – partindo 

Os móveis do meu hotel, 

Ou para a rua saindo 

De barrete de papel

A gritar: “viva a Alemanha”…

Mas a minhAlma, em verdade, 

Não merece tal façanha, 

Tal prova de lealdade.

Vou deixá-la – decidido 

-No lavabo dum Café,

Como um anel esquecido. 

É um fim mais raffiné.

Paris – setembro 1915

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