Nota biográfica >>

Ernesto Cardenal Martínez nasceu em 20 de janeiro de 1925 em Granada na Nicarágua. Poeta e sacerdote nicaraguense, dissidente sandinista e considerado um dos mais importantes poetas vivos da América Latina. Foi ordenado padre em 1965 e em 1979, com a chegada dos sandinistas ao poder, integrou a Junta de Governo como ministro de Cultura. Seis anos depois, em 1985, foi suspenso "ad divinis" pelo Vaticano, que considerou incompatível a sua missão sacerdotal com o seu novo cargo político.

Cardenal Martinez – “Salmo do homem…”

03.05.2012

Salmo do homem que vê a realidade e não se cala.

Ouve, Senhor, estes versos que te rezo

Ao contemplar a realidade em que vivo.

Maldito seja o sistema que não deixa sonhar os poetas

Nem permite dizer a verdade a quem pensa.

Serão seus dias de luto e de lamento,

Porque matou no Homem o mais digno.



Maldito o sistema que não pratica a justiça

E persegue e tortura e encarcera a quem anuncia.

Terá que justificar sua conduta ante a história

E não encontrará nenhuma palavra de defesa.



Maldito seja o sistema que só procura a aparência de grandeza

Quando estão morrendo de fome os homens nas suas fronteiras;

Do mesmo modo que progrediu cairá,

Porque construiu seus alicerces

Sobre corpos vivos e sangues inocentes.



Maldito o sistema que tenta matar no homem a dimensão de transcendência

E coloca no seu lugar o “deus dinheiro” , o “deus sexo”, e “deus progresso”,

Destruir-se-á por dentro irremissivelmente,

Porque o coração do homem foi bem feito

E ninguém pode matar em nós

Esta sede de infinito que nos queima.



Feliz será, porém,

O homem que bebe água na fonte da praça junto ao povo,

Não terá motivos para se envergonhar de nada,

Nem terá que baixar os olhos 

Ante qualquer homem honesto.



Feliz o homem que à força de interiorizar 

Se fez livre por dentro

E não se importa já com a denúncia dos fortes,

Serão seus dias como o trigo da terra.

Cheios de sol e esperança partilhada

E o seguirão os povos da terra.



Feliz o homem que não assiste a reuniões importantes

Nem acredita nos discursos do governo;

Feliz o homem que assim pensa,

Porque terá sempre tranquila a sua consciência.

Mesmo que sofra a incompreensão e até o desprezo.

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