História 161 – “A lenda do convento das Mercês”

29.02.2012

História 161 – “A lenda do Convento das Mercês.

Uma história que é uma lenda contada por Fernanda Frazão na sua obra “Lendas Portuguesas”.

Na ilha da Madeira houve em tempos um convento de capuchinhos, a cuja fundação está ligada uma lenda cheia de milagres e maravilhas.
Havia na ilha uma rica proprietária, D. Isabel de França — casada com Gaspar Berenguer de Andrade —, que se confessava habitualmente ao padre Ribeiro. Este há muito que tinha na ideia a fundação de uma casa de religiosas, em certo local deserto da ilha, e pediu à sua confessada que subsidiasse a obra.
D. Isabel, porém, alegava que só poderia contribuir com os terrenos, uma vez que tudo o resto era administrado pelo marido, homem avarento e pouco piedoso. Era sincera a senhora e, por isso, ficou preocupada por não poder satisfazer aquele desejo do religioso.
Uma noite aconteceu-lhe sonhar e ter uma visão de Nossa Senhora das Mercês. Dizia-lhe a Virgem:
– Isabel, quero o meu convento!…
Ó minha Nossa Senhora, não tenho dinheiro para dar, bem o sabeis!
Faz como quiseres, Isabel, dá até a tua camisa, mas faz-me esse convento!…
Antes que a senhora pudesse replicar, a Virgem desapareceu do seu sonho. Impressionadíssima com aquela aparição, D. Isabel decidiu ir contra a vontade do marido e aplicar na obra pedida todos os seus rendimentos pessoais.
O Demo, porém, estava apostado em impedir a fundação daquele mosteiro e, por intermédio de D. Gaspar, arranjou modos de mover o governador do bispado a dificultar, senão proibir, aquela obra. Assim, quando foi pedida autorização para iniciar a pia obra, o projecto foi recusado.
A Virgem das Mercês veio então em auxílio de D. Isabel e do padre Ribeiro: indo o bispo de viagem a Porto Santo, fez levantar um tão medonho temporal no mar que a embarcação esteve em via de se afundar.
O clérigo, meio morto de pavor, lembrou-se subitamente da sua recusa em autorizar a fundação do mosteiro e, logo ali, prometeu proteger o projecto se o mar amainasse. Nossa Senhora, que estava à espera disto mesmo, imediatamente ordenou ao mar que se acalmasse e este tornou-se num lago remançoso, espelhado de sol.
O clérigo cumpriu a sua promessa, mas o Demo não desistiu de levar a sua avante. Uma vez aplainadas as dificuldades de carácter religioso, começaram as seculares: o governador da ilha recusou terminantemente a autorização do convento.
Novamente vem a Virgem em auxílio do seu projecto. Este governador da Madeira era considerado herege por alguns senhores da ilha, mas, até então, a sua autoridade era indiscutível e ninguém se atrevera a contestá-la. De súbito, os grandes senhores da Madeira puseram-se de acordo quanto aos abusos de autoridade perpetrados pelo governador e tramaram uma conjura para o afastarem do cargo. Mandaram então uma embaixada ao Rei, em Portugal, e tão bem conduziram o assunto que o governador foi afastado do seu cargo.
Entretanto, a construção do edifício tora iniciada e as obras corriam em bom andamento. O Demo, desesperado, fez a terceira tentativa para frustrar a obra das Mercês: acabaram-se os recursos materiais de D. Isabel. A senhora deu voltas à cabeça, fez contas e mais contas com os feitores, mas não conseguiu nem mais uma moeda dos seus rendimentos.
Novamente os sonhos, provocados pela patrona da obra, vieram em auxílio de D. Isabel. Certa noite em que estava nestas aflições, adormeceu de cansaço e sonhou que em determinado local do seu jardim havia ouro enterrado, o suficiente para terminar a obra do mosteiro.
Na manhã seguinte, com o coração em alvoroço, dirigiu-se ao cantinho do sonho e começou a cavar às escondidas de toda a gente. Tão absorvida estava nesse trabalho que nem reparou que D. Gaspar se aproximava pé ante pé para ver o que estava ela fazendo, precisamente na altura em que a enxada batia num objecto bem sólido e sonante.
D. Gaspar percebeu rapidamente, com aquela intuição própria dos avaros, que o objecto em que tocara a enxada era um cofre, sem dúvida cheio de ouro, e apressou-se a exigi-lo para si.
Apanhada de surpresa, D. Isabel entregou o cofre ao marido, que, estupefacto, o encontrou cheio de carvão. D. Gaspar desiludido com o fraco achado, virou costas e foi à sua vida. Imediatamente o carvão se tornou em ouro e a devora senhora o entregou ao padre Ribeiro para a conclusão da obra.
Assim que tudo ficou pronto, instalaram-se as freiras e convocaram o capítulo para assentarem na regra a seguir.
Prestes a optarem por uma ordem rica, nova maravilha veio decidir a sorte do convento das Mercês: a terra começou a rugir e a tremer ameaçando destruir a obra que tantos sacrifícios custara. E as freiras, convictas de que era vontade de Deus, optaram então por uma regra de pobreza, ordem esta que durou enquanto o convento se manteve em funcionamento.
Conta-se ainda, deste convento que existiu na Madeira, que uma certa personagem de grande virtude vira durante muitas noites, naqueles sítios ermos, uma luz alumiando uma Virgem esplendorosa assaltada por legiões de demónios.

Ouvimos a lenda do Convento das Mercês, escrita por Fernanda Frazão.

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