Nota biográfica >>

Foi poeta, contista, jornalista e mulher solitária. Escritora durante os anos em que o Estado Novo queria a mulher em casa. Ostracizada pela Revolução de Abril, Natércia Freire acabou por cair num silêncio imerecido. Deixa um legado poético que merece ser (re)descoberto.

Natércia Freire – “Liberta em pedra”

10.01.2012

Livre, liberta em pedra.
Até onde couber
tudo o que é dor maior,
por dentro da harmonia jancente,
aguda, fria, atroz,
de cada dia.
 
Não importam feições,
curvas de seio e ancas,
pés erectos à luz
e brancas, brancas, brancas,
as mãos.
 
Importa a liberdade
de não ceder à vida
um segundo sequer.
 
Ser de pedra por fora
e só por dentro ser.
    – Falavas? Não ouvi.
    – Beijavas? Não senti.
Morreram? Ah, Morri, morri, morri!
Livre, liberta em pedra,
voltada para a luz
e para o mar azul
e para o mar revoltox
E fugir pela noite,
sem corpo, sem dinheiro,
para ler os meus santos,
e os meus aventureiros,
(para ser dos meus santos,
dos meus aventureiros),
filósofos e nautas,
de tantos nevoeiros.
 
Entre o peso das salas,
da música concreta,
de espantalhos de deuses,
que fará o Poeta?

Facebooktwittermailby feather
19311931