Comentário de Menina Marota

17.01.2008

Sou suspeita ao falar de Adília Lopes, uma vez que a leio e admiro há bastante tempo. Senhora de uma sensibilidade e agudeza de espírito enorme, fiquei muito satisfeita por a ouvir aqui no Palavras de Ouro, porque o luziu ainda mais.
Ela é um misto de doçura e amarguesa, traduzindo através da poesia todo o sentir que a envolve desde os dias da sua infância até hoje.
Permite-me que te deixe aqui um texto dela, na candura dos seus 11 anos e escrito segundo ela mesma diz nas aulas da Professora Crisanta:

“ A bolinha castanha “
Saí de casa, era uma manhã fria, sem Sol, em que as árvores pareciam mãos enormes buscando a Primavera no céu sem cor…e a chuva caía…caía…
Comecei a andar, abri o guarda-chuva, a rua parecia-me imensa, toda branca, beijada pela chuva. Os pardais voavam nas árvores talvez lobrigando nelas flores, Sol. Senti que era Inverno.
Virei a esquina e ali no chão estava uma bolinha castanha que já não chamaria mais a Primavera… Fiquei parada, contemplando o passarito, como se ele fosse um sinal vermelho que me impedisse de avançar.
Olhei, olhei mais, vi uns olhos abertos, uns olhos sem vida e aquelas penas castanhas…não mais enfrentariam o vento…
Não podia fazer nada. Andei. No ar voavam mais pardais e aquele ali, jamais voaria. Andei. Ouvi a mulher das flores a apregoar e a carroça das hortaliças que chiava longínqua.
Na calçada soaram enfim os meus passos, caminhando sozinhos com a chuva…
Olhei para o céu, brilhava nele o Sol, a chuva tinha parado e o arco-íris era uma cavalgada imensa para o infinito…
Pardal…nascia a manhã dos pregões, das conversas, nasciam nos ninhos mais pardais e aquele sozinho, perdido na multidão das pedras brancas, jamais esperaria o Sol, as flores, o arco-íris, estava morto, enfim.
Adília Lopes
(Este texto foi escrito em 1971. Tinha 11 anos.)

E assim, nascia uma poeta e escritora…
Um abraço
Menina Marota

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