Comentário de Menina Marota

17.01.2008

PALAVRAS
Já falámos sobre o Pacheco. Disse-te, na altura, que o considero o melhor escritor português vivo, sem desprimor, claro está, pelos jovens que estão a vender bem. Resta saber se as vendas correspondem à qualidade das escritas.
Pacheco faz a diferença. E fazer a diferença, sair do lugar-comum, dos programas imbecis da televisão, das letras gordas dos jornais, da enfática intervenção da operação de Eusébio que promove a imagem do novo hospital privado, não está ao alcance de qualquer.
Fazer a diferença não é mandar pró caralho o leitor. É dizer, simplesmente, que a vida é uma merda mas, mesmo assim, merece a pena vive-la. Como ele a tem vivido; na merda… “mas ainda cá anda”.
Se o programa desta semana tem ouvintes puritanos, estás feito.
Parabéns pela leitura… e pela coragem (ouvi duas vezes).
Luís Pinto


“(…)A persuasão da fala, a fenda estreita que é a porta do paraíso e as outras mil maneiras ,de ver e gostar de ver um corpo ser nosso, subjugado por uma técnica ou o seu próprio desejo dissoluto; e tudo assoprado por dentro, tudo recheado de novas grutas ainda por explorar e que também jamais as conhecerás ou iluminarás todas, se elas a si mesmas se ignoram. Tudo cativado por uma divindade que é o todo, que é o Corpo, em risos e gritos, balbucios de orgasmo e ranger de dentes; e a solidão duma lágrima lenta que desce a face no silêncio e na amargura; e o resfolegar do moribundo que já nada quer dos homens e com os homens, mas ostenta ainda na severidade da máscara, no desdém da boca desgarrada, uma altaneira nobreza; e a ferida do teu sexo aberta como uma nova última esperança de recomeçar tudo desde o princípio como se fora a primeira vez a fuga para o sono e o sonho. Nem eu me atrevia a falar-vos disto, senhores; nem eu nunca me atreveria a repetir coisas tão velhas, se não as visse serem atiradas para trás das costas, como se a enterrar em vida o corpo em cálculos e tristura os homens fossem mais livres e mais humanos. (…)”
(Excerto de “Comunidade” , de Luís Pacheco- 1964)

De um autor que muitos consideram “maldito” mas que pessoalmente muito admiro pela lucidez com que encara cada momento da sua vida e a transforma em obras verdadeiramente espantosas.
Gostei de o ouvir numa forma de leitura despretensiosa no Palavras de Ouro 90 e recordei com saudade as grandes discussões (saudáveis) que existiam com o meu Pai a propósito do Luís Pacheco, que ele idolatrava pela frontalidade com que sempre expôs todo o seu pensamento.
Um Homem lúcido que sabe definir por experiência própria toda uma forma de estar na Vida.
Fiquei muito feliz porque ele é aqui lembrado num texto fabuloso.
Deixo um abraço e a minha gratidão por esta partilha
Otília Martel (Menina_Marota)

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