Comentário de Deana Barroqueiro

17.01.2008

Depois de ouvir O sacrifício dos circuncisos
Nos milhares de páginas que escrevi, há alguns textos que eu, apesar da ferocidade com que me critico e me “deito abaixo”, considero que estão muito bem escritos. São raros esses momentos de plenitude, por isso mesmo preciosos e terríveis, pelo medo de não os voltar a sentir, com a satisfação de ter chegado ao alto travada pela angústia de poder não ser capaz de ir mais além, de ter esbarrado no meu limite.
Depois, chega-me a Voz de Luís Gaspar e a chama do seu Talento a darem alento e vida a um qualquer texto meu, revestindo de cor, cadência e fulgor as palavras e frases que contêm os pensamentos, sonhos ou mitos, mas também os sentimentos e as sensações mais profundas e secretas do corpo e alma da minha escrita. Mas, ao ouvi-lo de novo, sinto esfumarem-se as fasquias da minha exigência e a solidez do meu descernimento, porque a sua Voz e o seu Talento afagam e comovem a autora do texto, com o sabor de um prémio apetecido ainda que imerecido.
Em vez de um beijo agradecido, uma lágrima emocionada


Palavras e sensações de mulheres, vividas e escritas no feminino, engastadas como pedras preciosas na voz de um homem! Um tesouro que me obriga a fazer aqui, na nudez libertadora desta página, o meu sentido mea culpa.
É que, mesmo nos meus autores preferidos, sempre me irritou um pouco (algumas vezes muito), o modo como os escritores homens se arrogavam a pretensão despudorada (a palavra vem a propósito na temática do erotismo) de conhecer e descrever as mais secretas vivências da alma e corpo femininos, fazendo-o uns com alguma sensibilidade e virtuosismo, outros todavia não logrando mais que um arremedo. Como eram raras as autoras com a coragem das Três Marias, o universo inesgotável e secreto da Mulher chegava aos leitores quase sempre filtrado por esse olhar masculino assaz redutor .
Aqui, no entanto, opera-se um milagre, um jogo em que Eros acaba judiando Vénus! A Voz de Luís Gaspar apodera-se dessas sensações e emoções, desses gritos e gemidos, dos suspiros e dos risos, do prazer e do temor da Mulher (de todas as mulheres), não para os reduzir ou apoucar, mas para os expandir como uma maré, líquida e ondulante, outras vezes como um fogo abrasador, a lava de um vulcão, dormente ou destrutiva.
Dá-me sempre um enorme prazer ler os comentários dos que como eu ouvem e amam os seus podcasts. Não podia deixar de o fazer quando o tema é a Poesia Erótica, que ainda causa formigueiros mais ou menos subtis na pelúcia da moral pública…que a privada é toda outra! Também eu repudio a palavra grosseira e o humor boçal. Aqui aconteceu beleza pura, nas palavras e imagens dos poemas de Teresa Horta, a servirem ao leitor o erotismo mais incandescente; bem como o delicioso humor, sarcástico e inteligente do Eros que habita no espírito de Encandescente. Valeu a pena sacrificar o escasso tempo da minha escrita para ouvir esta Poesia Erótica.
Ainda uma observação: Como escritora de romance histórico, sou maníaca da pesquisa e do rigor nos factos, todavia considero estranho que se questione num romance, portanto numa obra de ficção e imaginação, a liberdade de ficcionar uma figura como Cristo, Madalena ou qualquer outra perdida no tempo e de que pouco ou nada se sabe, quando os próprios historiadores são os primeiros a apresentarem nos seus trabalhos científicos as mais contraditórias teorias e até fantasias e erros flagrantes. É tão perigoso o fundamentalismo “científíco” como o religioso para coartar a liberdade de expressão e a criatividade.
Parabéns, Luís Gaspar. Como diz Luís Pinto, há em si um Professor, um Mestre, a quem todos devemos agradecer. Tem de novo a minha gratidão.
Deana Barroqueiro

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