Comentário de Deana Barroqueiro

17.01.2008

Caríssimo Luís

Se alguém me perguntasse qual é “o poema da minha vida” eu responderia sem hesitar: Tabacaria, de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa (quanto não daria eu para ouvir este poema dito na íntegra pela sua Voz!).
Para além de me narcisar com a sua leitura dos meus excertos, ouço muitos dos textos e leio sempre as mensagens dos “seus” autores e ouvintes, para lhes conhecer os gostos e a alma e me comover com o encantamento que sentem quando se ouvem na sua Voz e que é igual ao que eu também experimento. Mas não deixo de sentir uma certa ansiedade, fruto da minha longa experiência, pelo destino incerto de alguns destes jovens (bons) escritores, neste Portugal tão pouco inclinado à cultura e ainda menos a dar oportunidade aos novos talentos.
Por isso, apesar do prazer pela atribuição do prémio ao meu “D. Sebastião e o Vidente” e da sua generosidade em o divulgar lendo um capítulo, me vieram à memória esses versos espantosos de Álvaro de Campos que, mau grado o seu pessimismo, gostaria de recordar aqui, neste recanto privilegiado de partilha de sonhos, emoções, alegrias e decepções, mas sobretudo de beleza:

“Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora génios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas –
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas –,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre “o que não nasceu para isso”;
Serei sempre só “o que tinha qualidades”;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.

Esta luta que foi minha, será a de muitos destes autores, mas apesar do pessimismo pessoano, é preciso não esquecer que ele também disse que “O poeta é um fingidor/ finge tão completamente/ que chega a fingir que é / a dor que deveras sente”. Portanto, é preciso não desistir e lutar sempre, enquanto houver gente como Luís Gaspar com o seu “Lugar aos Outros” e as “Palavras de Ouro”, abrindo as redes da capoeira e destapando o poço para deixar ouvir as vozes dos poetas e prosadores.
Estive a ouvir o meu texto (às 4 da manhã), dito como sempre na perfeição e com o enquadramento sonoro igualmente impecável. Senti o sabor do mar e a saudade no grito das gaivotas; arrepiei-me com o zumbido da varejeira, estremeci com o rosnar abafado da trovoada e mareei-me com o cheiro da pestilência e da morte. As personagens entraram-me pela casa e eu temi que despertassem os vizinhos, tão de carne e osso se fizeram. Muito, muito obrigada, Luís Gaspar
Um grande beijo para si

E, agora, Luís Pinto, as suas observações neste blogue, pelo humor, sensatez e “conhecimento de causa” ainda me tornam mais grata a sua mensagem. Não era, todavia, minha intenção usar este espaço para promover as vendas, mas sim dar a conhecer a minha escrita, pois como o Luís Gaspar disse eu sou a única escritora viva que lhe enviou textos – talvez por inconscientemente sentir que aos 62 anos já estou com um pé cá, no mundo dos vivos, e outro lá, no mundo dos mortos. Julgo que se outros não o fazem, é por desconhecerem o Estúdio Raposa, com grande perda deles.
Mas é óbvio, caro Luís Pinto, que lhe fico devedora por querer comprar o meu “D. Sebastião e o Vidente”. Quando o ler, por favor, não deixe de me fazer a sua crítica, peço-lhe. Um grande abraço.
Deana Barroqueiro

Nota do Estúdio Raposa: o poema Tabacaria de Álvaro de Campos, referido pela Deana Barroqueiro pode ser ouvido AQUI

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