Fernando Pessoa – “Se, depois de eu morrer…”
15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português. É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões.
15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha
biografia,
Não há nada de mais simples.
Tem só duas datas a da minha nascença e a da minha
morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar,
porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi parar mim senão um
acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas
diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o
pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las
todas iguais.
Um dia deu me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.
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10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se podes conservar o teu bom senso e a calma,
Num mundo a delirar, p´ra quem o louco és tu,
Se podes crer em ti, com toda a força d´alma,
Quando ninguém te crê, se vais faminto e nu,
Trilhando sem revolta um rumo solitário,
Se à torva intolerância, à negra incompreensão,
Tu podes responder, subindo o teu calvário,
Com lágrimas de amor e bênçãos de perdão.
Se podes dizer bem de quem te calunia,
Se dás ternura em troca aos que te dão rancor,
Mas sem a afectação de um Santo que oficia
Nem pretensões de um sábio a dar lições de amor,
Se podes esperar sem fatigar a esperança,
Sonhar mas conservar-te acima do teu sonho,
Fazer do pensamento um arco de aliança
Entre o clarão do inferno e a luz do céu risonho.
Se podes encarar com indiferença igual,
O triunfo e a derrota, eternos impostores,
Se podes ver o bem oculto em todo o mal,
E resignar sorrindo o amor dos teus amores,
Se podes resistir à raiva ou à vergonha
De ver envenenar as frases que disseste
E que um velhaco emprega, eivadas de peçonha,
Com falsas intenções que tu jamais lhes deste.
Se és homem para arriscares todos os teus haveres
Num lance corajoso alheio ao resultado
E, calando em ti mesmo a mágoa de perderes,
Voltas a palmilhar todo o caminho andando,
Se podes ver por terra as obras que fizeste
Vaiadas por malsins, desorientando o povo
E sem dizer palavra, e sem um termo agreste
Voltas ao princípio, a construir de novo.
Se podes obrigar o coração e os músculos
A renovar o esforço, há muito vacilante
Quando já no teu corpo afogado em crepúsculo,
Só existe a vontade a comandar avante!
Se vivendo entre o povo és virtuoso e nobre,
Ou vivendo entre os réus conservas a humildade,
Se inimigo ou amigo, o poderoso e o pobre
São iguais para ti, à luz da eternidade.
Se quem conta contigo, encontra mais que a conta,
Se podes empregar os sessenta segundos
Dum minuto que passa, em obras de tal monta,
Que o minuto se espraia em séculos fecundos,
Então, ó ser sublime, o mundo inteiro é teu
Já dominaste os Reis, os tempos e os espaços
Mas ainda para além um novo Sol rompeu
Abrindo um infinito ao rumo dos teus passos.
Pairando numa esfera acima deste plano
Sem recear jamais que os erros te retomem
Quando nada houver em ti que seja humano,
Alegra-te, meu filho, então serás um HOMEM!…
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