Cardenal Martinez – “Salmo do homem…”
03.05.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Ernesto Cardenal Martínez nasceu em 20 de janeiro de 1925 em Granada na Nicarágua. Poeta e sacerdote nicaraguense, dissidente sandinista e considerado um dos mais importantes poetas vivos da América Latina. Foi ordenado padre em 1965 e em 1979, com a chegada dos sandinistas ao poder, integrou a Junta de Governo como ministro de Cultura. Seis anos depois, em 1985, foi suspenso "ad divinis" pelo Vaticano, que considerou incompatível a sua missão sacerdotal com o seu novo cargo político.
03.05.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Salmo do homem que vê a realidade e não se cala.
Ouve, Senhor, estes versos que te rezo
Ao contemplar a realidade em que vivo.
Maldito seja o sistema que não deixa sonhar os poetas
Nem permite dizer a verdade a quem pensa.
Serão seus dias de luto e de lamento,
Porque matou no Homem o mais digno.
Maldito o sistema que não pratica a justiça
E persegue e tortura e encarcera a quem anuncia.
Terá que justificar sua conduta ante a história
E não encontrará nenhuma palavra de defesa.
Maldito seja o sistema que só procura a aparência de grandeza
Quando estão morrendo de fome os homens nas suas fronteiras;
Do mesmo modo que progrediu cairá,
Porque construiu seus alicerces
Sobre corpos vivos e sangues inocentes.
Maldito o sistema que tenta matar no homem a dimensão de transcendência
E coloca no seu lugar o “deus dinheiro” , o “deus sexo”, e “deus progresso”,
Destruir-se-á por dentro irremissivelmente,
Porque o coração do homem foi bem feito
E ninguém pode matar em nós
Esta sede de infinito que nos queima.
Feliz será, porém,
O homem que bebe água na fonte da praça junto ao povo,
Não terá motivos para se envergonhar de nada,
Nem terá que baixar os olhos
Ante qualquer homem honesto.
Feliz o homem que à força de interiorizar
Se fez livre por dentro
E não se importa já com a denúncia dos fortes,
Serão seus dias como o trigo da terra.
Cheios de sol e esperança partilhada
E o seguirão os povos da terra.
Feliz o homem que não assiste a reuniões importantes
Nem acredita nos discursos do governo;
Feliz o homem que assim pensa,
Porque terá sempre tranquila a sua consciência.
Mesmo que sofra a incompreensão e até o desprezo.
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