Nota biográfica

Mário Cesariny de Vasconcelos GCL (Lisboa, 9 de Agosto de 1923 — Lisboa, 26 de Novembro de 2006) foi pintor e poeta, considerado o principal representante do surrealismo português. É de destacar também o seu trabalho de antologista, compilador e historiador (polémico) das actividades surrealistas em Portugal.

Mário Cesariny – “Para os Lábios que o Homem Faz.”

16.03.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar

beijo13

Para os lábios
que o homem faz
que atraem beijos
ao redor do mundo
ficou na nossa memória
em qualquer parte    a qualquer hora
um pedaço
de pão

Promessa
que se cumpre
que alimenta
o mundo

Olhos
a exigir
uma floresta

Mário Cesariny, in “Pena Capital”

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Mário Cesariny – Outra coisa”

09.03.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar

gato13

Apresentar-te aos deuses e deixar-te
entre sombra de pedra e golpe de asa
exaltar-te perder-te desconfiar-te
seguir-te de helicóptero até casa

dizer-te que te amo amo amo
que por ti passo raias e fronteiras
que não me chamo mário que me chamo
uma coisa que tens nas algibeiras

lançar a bomba onde vens no retrato
de dez anos de anjinho nacional
e nove de colégio terceiro acto

pôr-te na posição sexual
tirar-te todo o bem e todo o mal
esquecer-me de ti como do gato

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Mário Cesariny – “A um rato morto encontrado num parque.”

23.06.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

rato

Este findou aqui sua vasta carreira de rato vivo e escuro ante as
constelações a sua pequena medida não humilha senão aqueles que
tudo querem imenso e só sabem pensar em termos de homem ou
árvore pois decerto este rato destinou como soube (e até como não
soube) o milagre das patas — tão junto ao focinho! — que afinal
estavam justas, servindo muito bem para agatanhar, fugir, segurar o
alimento, voltar atrás de repente,
quando necessário

Está pois tudo certo, ó «Deus dos cemitérios pequenos»?
Mas quem sabe quem sabe quando há engano
nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer
que não era para príncipe ou julgador de povos
o ímpeto primeiro desta criação
irrisória para o mundo — com mundo nela?
Tantas preocupações às donas de casa — e aos médicos — ele dava!
Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?
Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar
e passou nela a roda com que se amam
olhos nos olhos — vítima e carrasco

Não tinha amigos? Enganava os pais?
Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido e
agora parado, aquoso, cheira mal.

Sem abuso
que final há-de dar-se a este poema?
Romântico? Clássico? Regionalista?
Como acabar com um corpo corajoso humílimo
morto em pleno exercício da sua lira?

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Mário Cesariny – “Não adoro o passado”

02.12.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Não adoro o passado

não sou três vezes mestre

não combinei nada com as furnas

não é para isso que eu cá ando

decerto vi Osíris porém chamava-se ele nessa altura Luiz

decerto fui com Isis mas disse-lhe eu que me chamava João

nenhuma nenhuma palavra está completa

nem mesmo em alemão que as tem tão grandes

assim também eu nunca te direi o que sei

a não ser pelo arco em flecha negro e azul do vento



Não digo como o outro: sei que não sei nada

sei muito bem que soube sempre umas coisas

que isso pesa

que lanço os turbilhões e vejo o arco íris

acreditando ser ele o agente supremo

do coração do mundo

vaso de liberdade expurgada do menstruo

rosa viva diante dos nossos olhos

Ainda longe longe essa cidade futura

onde «a poesia não mais ritmará a acção

porque caminhará adiante dela
»
Os pregadores de morte vão acabar?

Os segadores do amor vão acabar?

A tortura dos olhos vai acabar?

Passa-me então aquele canivete

porque há imenso que começar a podar

passa não me olhas como se olha um bruxo

detentor do milagre da verdade

a machadada e o propósito de não sacrificar-se não construirão ao sol
coisa nenhuma

nada está escrito afinal


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101 – Deana Barroqueiro e Mário Cesariny

06.07.2007 | Produção e voz: Luís Gaspar

Também o “Palavras de Ouro” vai interromper a sua actualização semanal com a desculpa das férias. E o programa que as antecede tem como autores, os produtores de brilho, Deana Barroqueiro e Mário Cesariny.

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070 – António Gedeão e Mário Cesariny

30.11.2006 | Produção e voz: Luís Gaspar

A tentação de chamar a este programa o programa dos poetas mortos é uma tentação que cai por terra pela simples razão de que os poetas não morrem. E dizer isto não é usar uma figura de retórica: estou perfeitamente convencido, e sei que não estou só, que os poetas não morrem.
Vem este introdução a propósito de que nestes últimos dias assistimos à comemoração dos 100 anos do nascimento de António Gedeão e vimos partir Mário Cesariny. Sobre estes dois acontecimentos falarei no programa de hoje.

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