Nota biográfica

Alexandre Manuel Vahía de Castro O'Neill (Lisboa, 19 de Dezembro de 1924 - Lisboa, 21 de Agosto de 1986), ou simplesmente Alexandre O'Neill, descendente de irlandeses, foi um importante poeta do movimento surrealista.

Alexandre O’Neill – “O cheiro a cera e a incenso”

07.06.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

O cheiro a cera e a incenso sobe da infância e é recordado

pelo olfacto da memória. Há certos cheiros que persistem

vida fora. O cheiro da relva recém-cortada frente à casa, o

cheiro-maçã de esperma nos lençóis, o cheiro dos cavalos

depois duma caminhada, o cheiro-estalido da lenha na 

lareira, o cheiro de roupa de linho no estendal por detrás da 

casa, o cheiro silvestre da minha primeira namorada, o

cheiro dos velhos álbuns de fotografias (cheiro de morte,

mas com cheiro de vida lá dentro) sobretudo quando se sabe

que o almirante navega há muitos anos num mar para

colorir. Um avô almirante que eu nunca vi numa pose de 

leão dos mares para a fotografia (um cheiro a vaidade, que 

se perdoa tanto tempo depois,) o cheiro da catequista da 

igreja de S. Jorge de Arroios por quem eu estava

apaixonado, cheiro de castos lençóis, provavelmente os mesmos de
Camilo Pessanha. O cheiro de santidade, o cheiro de 

inveja que se desprende de certa gente malina e de certos lugares

aziago o cheiro a guarda-chuva molhado e abandonado 
como um
pássaro morto. O cheiro de flores apodrecidas
em 
amarelentos solitários. O cheiro a corpo queimado que 

anuncia a presença do demo esse que vem cheirar os cheiros

que são muito nossos para roubar a memória do que fomos

sendo nos laços e lacetes da existência.

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