“Poema 27.o” poema de Joaquim Pessoa.
12.11.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
Joaquim Maria Pessoa (Barreiro, 22 de fevereiro de 1948), conhecido por Joaquim Pessoa, é um poeta, artista plástico, publicitário e estudioso de arte pré-histórica portuguêsa.
12.11.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar
A vida. Com que palavras a dizes ou a negas?
Com que palavras te entregas?
Nasceste do ovo azul da linguagem,
essa que te beijou a pele e beijará teus olhos.
A tua voz é a voz das palavras.
Mas já foi a voz dos frutos e do chão.
Das espigas e das rosas. A que um dia poisou na fala
e se derrama agora na solidão da página.
A vida continua a torturar-te com palavras
acendendo fogueiras, encenando novos
autos de fé, finos rastos de fria dignidade.
É feito de pedacinhos de sílabas o teu rosto
São restos de poemas, dor que ainda sorri
à luz que acena dentro dos abraços.
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17.07.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
Acordo-me. Acordo-te. Sorrio.
E sobre a tua pele que a minha adora,
navega o meu desejo, esse navio
que sempre parte e nunca vai embora.
E como um animal uivando o cio
de um milénio, de um mês ou uma hora,
não sei se morro ou vivo, ou choro ou rio,
só sei que a eternidade é o agora.
E calam-se as palavras, uma a uma,
feitas de sal, saliva, dor e espuma,
com a exacta dosagem da alegria.
Bom dia, meu amor! O teu sorriso
é tudo o que me falta, o que eu preciso
para acender a luz de cada dia.
(Joaquim Pessoa, in “Os dias não andam satisfeitos”,Edições Esgotadas, Março 2017.)
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02.12.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Andavam pela casa amando-se
no chão e contra as paredes.
Respiravam exaustos como se tivessem
nascido da terra
de dentro das sementeiras.
Beijavam-se magoados
até se magoarem mais.
Um no outro eram prisioneiros um do outro
e livres libertavam-se
para a vida e para o amor.
Vivendo a própria morte
voltavam a andar pela casa amando-se
no chão e contra as paredes.
Então era a música, como se
cada corpo atravessasse o outro corpo
e recebesse dele nova presença, agora
serena e mais pobre mas avidamente rica
por essa pobreza.
A nudez corria-lhes pelas mãos
e chegava aonde tudo é branco e firme.
Aquele fogo de carne
era a carne do amor,
era o fogo do amor,
o fogo de arder amando-se e por toda a casa,
contra as paredes, no chão.
Se mais não pressentissem bastaria
aquela linguagem de falar tocando-se
como dormem as aves.
E os olhos gastos
por amor de olhar,
por olhar o amor.
E no chão
contra as paredes se amaram e
pela casa andavam como
se dentro das sementeiras respirassem.
Prisioneiros libertados, um
no outro eram livres
e para a vida e para o amor se beijaram
magoando-se mais, até ficarem magoados.
E uma presença rica,
agora nova e mais serena,
avidamente recebeu a música que atravessou de
um corpo a outro corpo
chegando às mãos
onde toda a nudez é branca e firme.
Com uma carne de fogo,
incarnando o amor,
incarnando o fogo,
contra o chão das paredes se amaram
pressentindo que
andando pela casa bastaria tocarem-se
para ficarem dormindo
como acordam as aves.
(in ‘Inéditos’)
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Para ficar próximo do sempre
tens de decidir-te nos difíceis momentos em que,
acompanhado, permaneces só.
Cada um pode acreditar no que quiser, mas a vitória maior
é permanecer no coração de quem nos ama.
Neste cemitério que é a vida, tens de apelar
a uma energia que te supere, não àquilo que é divino
mas ao que permanece profundamente humano,
ao que te faz descobrir uma outra porta,
aquela por onde o amor não deixa de fluir,
porque o amor derrubará essa porta se a mantiveres fechada.
Não percas a noção de que és o motor da tua vida,
um impulsionador da realidade, nem
te envergonhes do que dela podes retirar.
Só assim poderás ou voltarás a amar.
Não te adornes com a mentira, com a ganância,
com o pouco que tens,
porque sempre terás pouco,
porque sempre o muito não fará de ti melhor,
a não ser que semeies para colher,
que dês para receber,
que saibas ensinar para aprender todos os dias.
Os momentos mais surpreendentes são
aqueles em que ofereces, não aqueles em que recebes.
Só desse modo poderás sentir-te maior
do que a distância. Só quando caminhares
por dentro de ti mesmo, em busca de ti mesmo,
poderás encontrar outros, e mais outros, e outros ainda,
em recantos, em ruas, nas praias que há em ti.
E verás como esses outros são iguais. E como estão
próximos daqueles que tu amas e daqueles que te amam.
Sorri. Já não estás só. Há coisas difíceis de abordar
mas que não são problemas. Nem talvez soluções.
Procura-te na luz que regressa às tuas mãos. E nela
invoca a moeda de três faces com que os pobres
compram os momentos que a vida nunca tem
para lhes dar.
Poema de Joaquim Pessoa in “O POUCO É PARA ONTEM”
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Obrigado, excelências.
Obrigado por nos destruírem o sonho e a oportunidade
de vivermos felizes e em paz.
Obrigado
pelo exemplo que se esforçam em nos dar
de como é possível viver sem vergonha, sem respeito e sem
dignidade.
Obrigado por nos roubarem. Por não nos perguntarem nada.
Por não nos darem explicações.
Obrigado por se orgulharem de nos tirar
as coisas por que lutámos e às quais temos direito.
Obrigado por nos tirarem até o sono. E a tranquilidade. E a alegria.
Obrigado pelo cinzentismo, pela depressão, pelo desespero.
Obrigado pela vossa mediocridade.
E obrigado por aquilo que podem e não querem fazer.
Obrigado por tudo o que não sabem e fingem saber.
Obrigado por transformarem o nosso coração numa sala de espera.
Obrigado por fazerem de cada um dos nossos dias
um dia menos interessante que o anterior.
Obrigado por nos exigirem mais do que podemos dar.
Obrigado por nos darem em troca quase nada.
Obrigado por não disfarçarem a cobiça, a corrupção, a indignidade.
Pelo chocante imerecimento da vossa comodidade
e da vossa felicidade adquirida a qualquer preço.
E pelo vosso vergonhoso descaramento.
Obrigado por nos ensinarem tudo o que nunca deveremos querer,
o que nunca deveremos fazer, o que nunca deveremos aceitar.
Obrigado por serem o que são.
Obrigado por serem como são.
Para que não sejamos também assim.
E para que possamos reconhecer facilmente
quem temos de rejeitar.
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Onde estavas tu quando fiz vinte anos
e tinha uma boca de anjo pálido?
Em que sítio estavas quando o Che foi estampado
nas camisolas das teen-agers de todos os estados da América?
Em que covil ou gruta esconderam as suas armas
para com elas fazer posters cinzentos e emblemas?
Onde te encontravas quando lançaram mão a isto?
E atrás de quê te ocultavas quando
mataram Luther King para justificar sei lá que agressões
ao mesmo tempo que víamos Música no Coração
mastigando chiclets numa matinée do cinema Condes?
Por onde andavas que não viste os corações brancos
retalhados na Coreia e no Vietname
nem ouviste nenhuma das canções do Bob Dylan
virando também as costas quando arrasaram Wiriamu e
enterraram vivas
mulheres e crianças em
nome de uma pátria una e indivisível?
Que caminho escolheram os teus passos no momento em que
foram enforcados os guerrilheiros negros da África do Sul
ou Allende terminou o seu último discurso?
Ainda estavas presente quando Victor Jara
pronunciou as últimas palavras?
E nem uma vez por acaso assististe
às chacinas do Esquadrão da Morte?
Fugiste de Dachau e Estalinegrado?
Não puseste os pés em Auschwitz?
Que diabo andaste a fazer o tempo todo
Que ninguém te encontrou em lugar algum?
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11.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
De bruços me debruço mais ainda até sentir os olhos
tumefactos para saber até que ponto é linda
a intrigante cor desses sapatos
que às tuas pernas dão um brilho tal
e uma leveza tal ao teu andar,
que eu penso (embora aches anormal) que nunca te devias descalçar.
Também porquê, se já não há verdura nem tu és Leonor para correr
descalça, no poema, à aventura?
O mais difícil, hoje, é antever
quem é que vai à fonte em literatura e que água dá aos versos a beber.
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06.09.2011 | Produção e voz: Luís Gaspar
Durante um pouco mais de uma hora, poderá ouvir poesia de Adélia Prado, Almada Negreiros, António Gedeão, Lobo Antunes (2 poemas), Eugénio de Andrade, Fernando Pessoa (8 poemas), Álvaro de Campos, Ferreira Gullar, George Brasens, Herberto Helder, Joaquim Pessoa, José Régio, Manuel António Pina e Manuel da Fonseca.
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10.03.2007 | Produção e voz: Luís Gaspar
Este “Palavras de Ouro” segue um padrão que já se tornou habitual. Refiro-me à sua construção: uma lenda e dois poetas.
Há, porém, diferenças. A lenda não chega da Rosa do Mundo nem das lendas judias mas da escrita de Deana Barroqueiro e no que diz respeito aos poemas o que se poderá dizer é que estão separados por, exactamente, 466 anos: Bernardim Ribeiro e Joaquim Pessoa.
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