al berto – “Incêndio”
18.05.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares, (Coimbra, 11 de Janeiro de 1948 - Lisboa, 13 de Junho de 1997), poeta, pintor, editor e animador cultural português.
18.05.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar
se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha – não te assustes
são os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos e vêm
visitar-te
diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo – diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas – com eles no chão
Podcast (estudio-raposa-audiocast): Download
02.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Ouve, meu anjo:
Se eu beijasse a tua pele?
Se eu beijasse a tua boca
Onde a saliva é mel?
Tentou, severo, afastar-se
Num sorriso desdenhoso;
Mas ai!,
A carne do assasssino
É como a do virtuoso.
Numa atitude elegante,
Misteriosa, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.
Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia…
Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar –
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!
Podcast (estudio-raposa-audiocast): Download
09.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar
Português Moderno
Dom Fulano que eu sei
que tem fama de ágil,
vedes que fez na guerra
(disto sou certíssimo):
só de ver os ginetes,
como boi que fere moscardo,
sacudiu-se e revolveu-se,
alçou rabo e foi-se
a Portugal.
Dom Fulano que eu sei
que tem fama de ligeiro,
vedes que fez na guerra
(disto sou verdadeiro)
só de ver os ginetes,
como bezerro tenreiro,
sacudiu-se revolveu-se,
alçou rabo e rumou
a Portugal.
Dom Fulano que eu sei
que tem mérito de ligeireza
vedes que fez na guerra
(sabei-o por verdade):
só de ver os ginetes,
como cão que sai de prisão,
sacudiu-se revolveu-se,
alçou rabo e foi-se
a Portugal.
Português Antigo
Don foão que eu sey
que á preço de liuão,
vedes que fez ena guerra
(d’aquesto sõo certão):
sol que uyu os genetes,
come boy que fer tauão,
sacudiu-ss’e e reuolueu-sse,
alçou rab’e foy sa vya
a Portugal.
Don foão que eu sey,
que á preço de ligeyro,
vedes que fez ena guerra
(d’aquesto sõo uerdadeyro)
sol que uyu os genetes,
come bezerro tenrreyro,
sacudiu-ss’e reuolueu-sse,
alçou rab’e foy sa vya
a Portugal.
Don foão que eu sey
que á prez de liueldade
vedes que fez ena guerra
(sabede-o por uerdade):
sol que uyu os genetes,
come can que sal de grade,
sacudiu-ss’e reuolueu-sse,
alçou rab’e foy síi vya
a Portugal.
(Adaptação ao português atual por Deana Barroqueiro.
Este poema faz parte do iBook “Coletânea de Poesia Portuguesa – I vol. Poesia Medieval”
à venda no iTunes)
Podcast (estudio-raposa-audiocast): Download