Nota biográfica

Al Berto, pseudónimo de Alberto Raposo Pidwell Tavares, (Coimbra, 11 de Janeiro de 1948 - Lisboa, 13 de Junho de 1997), poeta, pintor, editor e animador cultural português.

al berto – “Incêndio”

18.05.2017 | Produção e voz: Luís Gaspar

se conseguires entrar em casa e
alguém estiver em fogo na tua cama
e a sombra duma cidade surgir na cera do soalho
e do tecto cair uma chuva brilhante
contínua e miudinha – não te assustes

são os teus antepassados que por um momento
se levantaram da inércia dos séculos e vêm
visitar-te

diz-lhes que vives junto ao mar onde
zarpam navios carregados com medos
do fim do mundo – diz-lhes que se consumiu
a morada de uma vida inteira e pede-lhes
para murmurarem uma última canção para os olhos
e adormece sem lágrimas – com eles no chão

Facebooktwittermailby feather

António Botto – “Ouve”

02.05.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

beijo

Ouve, meu anjo:
Se eu beijasse a tua pele?
Se eu beijasse a tua boca
Onde a saliva é mel?

Tentou, severo, afastar-se
Num sorriso desdenhoso;
Mas ai!,
A carne do assasssino
É como a do virtuoso.

Numa atitude elegante,
Misteriosa, gentil,
Deu-me o seu corpo doirado
Que eu beijei quase febril.

Na vidraça da janela,
A chuva, leve, tinia…

Ele apertou-me cerrando
Os olhos para sonhar –
E eu lentamente morria
Como um perfume no ar!

Facebooktwittermailby feather

Afonso Mendes de Besteiros – “Dom Fulano”

09.03.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

besteiros

Português Moderno

Dom Fulano que eu sei
que tem fama de ágil,
vedes que fez na guerra
(disto sou certíssimo):
só de ver os ginetes,
como boi que fere moscardo,
sacudiu-se e revolveu-se,
alçou rabo e foi-se
a Portugal.

Dom Fulano que eu sei
que tem fama de ligeiro,
vedes que fez na guerra
(disto sou verdadeiro)
só de ver os ginetes,
como bezerro tenreiro,
sacudiu-se revolveu-se,
alçou rabo e rumou
a Portugal.

Dom Fulano que eu sei
que tem mérito de ligeireza
vedes que fez na guerra
(sabei-o por verdade):
só de ver os ginetes,
como cão que sai de prisão,
sacudiu-se revolveu-se,
alçou rabo e foi-se
a Portugal.

Português Antigo

Don foão que eu sey
que á preço de liuão,
vedes que fez ena guerra
(d’aquesto sõo certão):
sol que uyu os genetes,
come boy que fer tauão,
sacudiu-ss’e e reuolueu-sse,
alçou rab’e foy sa vya
a Portugal.

Don foão que eu sey,
que á preço de ligeyro,
vedes que fez ena guerra
(d’aquesto sõo uerdadeyro)
sol que uyu os genetes,
come bezerro tenrreyro,
sacudiu-ss’e reuolueu-sse,
alçou rab’e foy sa vya
a Portugal.

Don foão que eu sey
que á prez de liueldade
vedes que fez ena guerra
(sabede-o por uerdade):
sol que uyu os genetes,
come can que sal de grade,
sacudiu-ss’e reuolueu-sse,
alçou rab’e foy síi vya
a Portugal.

(Adaptação ao português atual por Deana Barroqueiro.
Este poema faz parte do iBook “Coletânea de Poesia Portuguesa – I vol. Poesia Medieval”
à venda no iTunes
)

Facebooktwittermailby feather