Lou Alma – “Vem”

10.10.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

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Vem construir felicidades
no segredo dos entendimentos
Vem com tuas mãos
tocar a música
que só tu consegues retirar
do meu corpo.
Vem trocar as voltas ao vento,
calar as ondas do mar!
Finge-te Deus
dum destino
que só a nós cabe ditar.
Saudade doi!
A dor do silêncio,
a distância…
o tormento dum corpo calado.
A orquestra que espera
O reinicio da sinfonia…
A sintonia
de quem domou as tempestades
 
Calamos vaidades
Sabemos a_mar

(Poema inserido ao abrigo do direito dos inscritos na Loja da Raposa, poderem propor para declamação um poema seu ou de um autor preferido)

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Paulo Eduardo Campos – “Caminhamos…”

09.10.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

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caminhamos procurando o peso das palavras
os pássaros que adormecem sobre a areia
os amantes que cercam o tempo com as suas bocas
devolvendo a estreita luz que há na manhã.

não se recupera no final de cada dia
a palidez dos astros, o silêncio do arco-íris
as mãos que crescem dentro de outras mãos.

tudo se perde, o ardor da poesia,
a alegria que o poema sangra
e a solidão das palavras que têm o peso do caminho
quando a luz estremece no peito dos pássaros.

(Poema incluído no âmbito do direito dos inscritos na Loja da Raposa poderem indicar um poema seu ou do seu poeta favorito)

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Eugénio de Andrade – “Criança…”

08.10.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

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No fim do verão as crianças voltam, 
correm no molhe, correm no vento. 
Tive medo que não voltassem. 
Porque as crianças às vezes não 
regressam. Não se sabe porquê 
mas também elas 
morrem. 
Elas, frutos solares: 
laranjas romãs 
dióspiros. Sumarentas 
no outono. A que vive dentro de mim 
também voltou; continua a correr 
nos meus dias. Sinto os seus olhos 
rirem; seus olhos 
pequenos brilhar como pregos 
cromados. Sinto os seus dedos 
cantar com a chuva. 
A criança voltou. Corre no vento. 

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Margarida Piloto Garcia – “Encontro”

03.10.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

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Se puderes
dobra essa esquina e abre os olhos
para me espreitares por dentro
Em qualquer pedaço de gesto, demora-te.
No intervalo da minha ausência
muda o tempo do verbo, mas não o próprio verbo
Desagua o verso sem pressa e faz fintas à vida
sem esquecer que a felicidade é um abraço
imprevisto
Se puderes
perde o rasto da razão mais-que-perfeita
e sorve o vento embalado num beijo inesquecível
a bater no chão fecundo do meu seio.
Se quiseres
vem com o vazio das mãos ávidas de mim
perseguindo o impensável sem curvas nem ossos
com o tempo a chiar e a tomar para si o pó dos dias
Se quiseres
ama esta inevitabilidade feita de um querer comum
e escreve sobre o amor abrigo ou inquietação
Depois
se puderes
se quiseres
sente as impronunciáveis emoções
e no obsceno arrepio que inventamos
a vida será chama sem palavras
e nada mais importará

(Este poema de Margarida Piloto Garcia foi gravado no âmbito do direito que as pessoas registadas na Loja da Raposa têm de verem gravado um poema seu ou do seu poeta favorito.)

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Ricardo Vercesi – “Navegando na tua memória”

14.11.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Deixei as certezas na praia

Quando a última onda te levou

E as gaivotas choraram a perda.

Em cada grão de areia

Uma estrela te acolheu

No sal que deixaste preso a mim.

Foste a maré que me trouxe aqui

A saudade de quem parte para a tempestade.

Foste a minha plenitude, a minha verdade.

As marés não pararam o seu balanço.

As gaivotas continuam à tua procura

Na espuma de cada onda que beija a costa.

E eu fico sentado, ali, chorando cada lágrima

Como se mais uma memória tua me sorrisse

E me banhasse na nossa história.

Por fim viajo em mais uma fase da Lua

Regressando sempre ao mesmo lugar

Esta saudade minha e tua será sempre nossa

Seremos sempre nós a navegar.

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António Gedeão – “Mãezinha”

01.11.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

A terra de meu pai era pequena
e os transportes difíceis.
Não havia comboios, nem automóveis, nem aviões, nem misséis.
Corria branda a noite e a vida era serena.

Segundo informação, concreta e exacta,
dos boletins oficiais,
viviam lá na terra, a essa data,
3.023 mulheres, das quais
45 por cento eram de tenra idade,
chamando tenra idade
à que vai do berço até à puberdade.

Vinte e oito por cento das restantes
eram senhoras, daquelas senhoras que só havia dantes.
Umas, viúvas, que nunca mais (oh! nunca mais!) tinham sequer sorrido
desde o dia da morte do extremoso marido;
outras, senhoras casadas, mães de filhos
(De resto, as senhoras casadas,
pelas suas próprias condições,
não têm que ser consideradas
nestas considerações.)

Das outras, 10 por cento,
eram meninas casadoiras, seriíssimas, discretas,
mas que por temperamento,
ou por outras razões mais ou menos secretas,
não se inclinavam para o casamento.

Além destas meninas
havia, salvo erro, 32,
que à meiga luz das horas vespertinas
se punham a bordar por detrás das cortinas
espreitando, de revés, quem passava nas ruas.

Dessas havia 9 que moravam
em prédios baixos como então havia,
um aqui, outro além, mas que todos ficavam
no troço habitual que o meu pai percorria,
tranquilamente no maior sossego, às horas em
que entrava e saía do emprego.

Dessas 9 excelentes raprigas
uma fugiu com o criado da lavoura;
5 morreram novas, de bexigas;
outra, que veio a ser grande senhora,
teve as suas fraquezas mas casou-se
e foi condessa por real mercê;
outra suicidou-se
não se sabe porquê.

A que sobeja
chama-se Rosinha.
Foi essa que o meu pai levou à igeja.
Foi a minha mãezinha.

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Pedro Barão de Campos – “Fronteira impossível”

06.10.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Acorda-me o chilrear primaveril
E a noite já passou
Mais uma que ficou guardada na prateleira de velharias dispersas e indiferentes
À deriva do tempo.

Dei voltas à cabeça
Em murmúrios inocentes
No céu, um balão de ar quente colorido, chama por mim
Mas as minhas asas estão estragadas
Tenho a esperança rasgada
E não acredito mais na força do vento
Acho que ficarei por aqui.
Nada mais faria sentido!

Amanhã, quando acordar de novo
Poderei ter algo mais para sonhar
Se sonhar contigo, terei certamente um sorriso a procurar…

Linhas arbitrárias de nuvens no céu
Dão voltas a um azul de fundo
Onde o esboço do teu semblante acontece

Acontece porque estou a olhar o céu
E o teu semblante, na verdade, está dentro de mim
Não está no céu nem nas nuvens,
Está em mim.

Porque é que existem linhas que nos desmontam em pedaços?
Para quê a força do muro ou o frio do betão?
Se existem fronteiras de impossível mais gélidas e sombrias…
Que nos impedem de existir.

De relance, fito o horizonte.
Ao fundo do céu azul há um jardim infantil com crianças a saltar e há cães a correr atrás de bolas, pássaros a esvoaçar com a delicadeza de uma bailado sublime e baloiços em movimento com almas em estridente harmonia… e a relva verde… brilhante… com a banda sonora de gritos felizes…
E eu… longe… não encontro limites à alegria…
A não ser em mim.

Ao menos, se eu pudesse ser de novo uma criança pequena e brincar livremente com os outros meninos
… Aprender a saltar, a dançar, a ser alegre como os outros meninos são.
E poder, quando caio do cavalinho de madeira,
Ir correr a chorar, ao encontro da paz tranquilizante do colo da minha mãe.

Gostava de ter sido como todos os outros são.
E agora, certamente estaria a dar-te a mão, a olhar para ti,
Em vez de ser um poeta isolado, diferente e vazio.

Amanhã, soltar-me-ei dessa fronteira impossível
Serei estrangeiro ainda
Mas só na memória dos sonhos.

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Pedro Barão de Campos – “Deslumbre”

06.10.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Deslumbre
Em ti, sublime
Afasto-me ao aproximar-te de mim.

A cada cortina de vento
O esboço ondulante do teu cabelo
Contornos de tudo
E a paisagem do mundo
É o que encontro em ti.

Na boca invento uma janela
Nos olhos, a doçura selvagem do teu sentir
A pele é a fronteira
De um universo inteiro
Por descobrir
E as mãos
Sempre as tuas mãos
Divagantes, voadoras, agitando a alegria pelo ar vazio
Como asas
Como melodia
De um som
Impossível para mim…

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Pedro Barão de Campos – “Cavalinho de brincar”

06.10.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

No meu cavalo de brincar
Sempre em frente
Cavalgo sem parar
Não tem fome nem tem sede
Alimenta-se de pensar!
É assim…
O meu cavalinho de brincar.

No recreio da escola
Sempre de um lado ao outro
A galope, a galope
Impossível de parar
Acompanha-me o vento
Nesta corrida de sonhar!
É assim…
O meu cavalinho de brincar.

Perto da porta da tua sala
A trote, resguardo a dança no limite.
Crinas esvoaçando, orelhas caídas,
Deslumbrante o teu olhar.
É sorridente, o meu semblante,
Perto de ti, contornando barreiras invisíveis…
Sou assim, à tua porta,
No meu cavalinho de brincar.

Num salto imaginário
Até ao início do nada
Nuvens de algodão embelezam de claridade o teu lugar!
Corcel de arco-íris…
Percorre cada passada a relinchar
E eu, assim, só a procurar por ti, no silêncio…
Cavalgando… cavalgando…
No meu cavalinho de brincar.

Fruto da tua cor
Imerso no teu paraíso interior
Adormeço com esse passeio no meu pensamento!

Feito da tua imaginação
Um mensageiro atravessa reinos num teatro de alegria
Por bosques, riachos, desertos e montes,
Transpondo declives e rochedos
Com os seus cascos de ventania.

Sei que amanhã já não haverá cavalinho.
Amanhã, terei sofrido demasiado para poder brincar.
Amanhã, terá desaparecido a tua imaginação.
E longe, impossível de alcançar…
Caminharei apenas…
À frente da porta da sala onde antes estavas
Ficarei ali, imóvel, estarrecido, a procurar… e a sonhar
Que a pessoa imaginada, em frente ao quadro branco,
Eras tu a cuidar
Do nosso cavalinho de brincar.

Olhei em redor,
Procurei melhor,
Não, não eras tu,
Era só o passado a regressar.

Era só eu a acreditar.
Em ti.
Acabou.

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