Nota biográfica

Maria Alberta Menéres nasceu em Vila Nova de Gaia, em 25 de agosto de 1930. Licenciada em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi professora nas disciplinas de Língua Portuguesa e História. Organizou a Novíssima Antologia da Moderna Poesia Portuguesa, em parceria com o poeta E. M. de Melo e Castro. De 1974 a 1986, foi Diretora do Departamento de Programas Infantis e Juvenis da RTP. É autora de mais de 100 livros infantis e juvenis.
 É mãe da cantora Eugénia Melo e Castro.
 Faleceu em Lisboa, a 15 de abril de 2019, com 88 anos de idade.

“As Pedras” de Maria Alberta Menéres.

25.08.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

As pedras falam? pois falam
mas não à nossa maneira,
que todas as coisas sabem
uma história que não calam.

Debaixo dos nossos pés
ou dentro da nossa mão
o que pensarão de nós?
O que de nós pensarão?

As pedras cantam nos lagos
choram no meio da rua
tremem de frio e de medo
quando a noite é fria e escura.

Riem nos muros ao sol,
no fundo do mar se esquecem.
Umas partem como aves
e nem mais tarde regressam.

Brilham quando a chuva cai.
Vestem-se de musgo verde
em casa velha ou em fonte
que saiba matar a sede.

Foi de duas pedras duras
que a faísca rebentou:
uma germinou em flor
e a outra nos céus voou.

As pedras falam? pois falam.
Só as entende quem quer,
que todas as coisas têm
um coisa para dizer.

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José Saramago – “Declaração”

08.07.2018 | Produção e voz: Luís Gaspar

Não, não há morte.
Nem esta pedra é morta,
Nem morto está o fruto que tombou:
Dá-lhes vida o abraço dos meus dedos,
Respiram na cadência do meu sangue,
Do bafo que os tocou.
Também um dia, quando esta mão secar,
Na memória doutra mão perdurará,
Como a boca guardará caladamente
O sabor das bocas que beijou.

In Os Poemas Possíveis, 1966, p. 140.

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Rossini – “Abertura da ópera Guilherme Tell”

07.10.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Música para quem gosta de POP

Hoje vamos ouvir um dos grandes trabalhos de Rossini.
Trata-se da abertura da ópera Guilherme Tell, uma ópera romântica estreada em Paris no ano de 1829.
Rossini foi um apaixonado pela ópera e transpôs para o teatro lírico o seu temperamento de homem alegre que soube aproveitar toda a beleza da vida.
Tinha nove anos quando começou a receber lições de trompa dadas por seu pai trompetista na Academia de Bolonha. Mais tarde, um cónego de grandes conhecimentos também ensinou música ao futuro compositor, nos intervalos das suas obrigações sacerdotais.
E Rossini não se fez rogado com as lições que recebeu; aos 14 anos entrou para a escola de música de Bolonha e compôs a sua primeira ópera, Demetrio e Policio.
Guilherme Tell foi a última grande obra do compositor que lhe requereu mais energia e esforço do que qualquer outro trabalho.
Fiquemos com esta tão conhecida “abertura”.
Ouvimos “Música para quem gosta de POP. Hoje, com Rossini.

Execução da London Festival Orchestra, conduzida por Alfred Scholz.

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Casimiro de Brito – “Quando”

07.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

I
Quando já não se espera nada
a vida, cascata impetuosa, tem outro
sabor: é um grão de luz, uma gota
que nos inunda
e então esse que não esperava nada
abre os olhos e vê e ouve
e tudo em volta são ilhas que se levantam
a brilham.
II
Ando por aqui a ver o mundo
e só vejo buracos e ruínas. Pudesses tu regar
as folhas secas que me invadem o sexo
com o teu mel com as tuas lágrimas.
III
O amor: amêndoa clara
que tu mastigas, primeiro com os olhos,
depois com a boca
insaciável. Fomos tão belos,
tão frágeis e devastados
que os outros da barca nos lançaram
borda fora.
IV
Deuses haverá para quem
um rio e uma abelha
voam um pouco mais perto,
um pouco menos perdidos
na brisa. Deuses haverá.
Que talvez saibam um pouco mais
sobre as abelhas que revivem no sangue
da minha amada. Tal um pé que se aproxima
da sua morada.
V
Envelheci? Bebo a mesma gota de água
de quando mergulhei em ondas que me lembravam
bocas nómadas. Nómada sou eu agora,
descobrindo na minha amada
lagos e abismos e ilhas
que me reconhecem. Sou um deles.
Um cavalo
que pisa as uvas sagradas
que mais ninguém vê: a sede
não espera.
VI
Bebo águas tuas no vaso
que as contém. A gota comovida
vai transformar-se em rio.
Sorvo nas tuas mãos o osso
e a carícia, o cerne mais cru
e a solidão de quem sobrevive
ao sexo ardente. Também eu ardo
onde fui sede e palavras fatigadas.
VII
Eu posso beber um rio
afogar-me nele inundar-me inundá-lo
mas não posso queimá-lo não posso queimar o rio amado
e deixar-me dormir a seu lado —
eu posso beber um rio o teu rio
ou uma lágrima e cantá-la
o que não posso não sei não seria capaz
é afogar-me no rio amado e continuar
em paz.

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