Nota biográfica

Alda Ferreira Pires Barreto de Lara Albuquerque. (Benguela, Angola, 9.6.1930 - Cambambe, Angola, 30.1.1962). Era casada com o escritor Orlando Albuquerque. Muito nova veio para Lisboa onde concluiu o 7º ano do Liceu. Frequentou as Faculdades de Medicina de Lisboa e Coimbra, licenciando-se por esta última.

Alda Lara – “Testamento”

05.02.2016 | Produção e voz: Luís Gaspar

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(Pintura de António Gomes “Gonga”)

À prostituta mais nova
Do bairro mais velho e escuro,
Deixo os meus brincos, lavrados
Em cristal, límpido e puro…
E àquela virgem esquecida
Rapariga sem ternura,
Sonhando algures uma lenda,
Deixo o meu vestido branco,
O meu vestido de noiva,
Todo tecido de renda…
Este meu rosário antigo
Ofereço-o àquele amigo
Que não acredita em Deus…
E os livros, rosários meus
Das contas de outro sofrer,
São para os homens humildes,
Que nunca souberam ler.
Quanto aos meus poemas loucos,
Esses, que são de dor
Sincera e desordenada…
Esses, que são de esperança,
Desesperada mas firme,
Deixo-os a ti, meu amor…
Para que, na paz da hora,
Em que a minha alma venha
Beijar de longe os teus olhos,
Vás por essa noite fora…
Com passos feitos de lua,
Oferecê-los às crianças
Que encontrares em cada rua…

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Alda Lara – “Revolta”

23.04.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar

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Quero, e não quero!… Creio…
e Desespero!… Renego, mas
Aspiro, E em cada vira-volta,
Mais grito e mais me firo!…
Aonde esperei, não espero!…
Aonde Desejei, já não desejo,
E se algum dia Vi, Hoje não
Vejo!…

Deus,… ó Deus!…
Para que lado ficam os teus céus?!.

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Alda Lara – “Noite 1948” Outubro (Poemas 1966)

08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Noites africanas langorosas,
esbatidas em luares…,
perdidas em mistérios…
Há cantos de tungurúluas pelos ares!…

Noites africanas endoidadas,
onde o barulhento frenesi das batucadas,
põe tremores nas folhas dos cajueiros…

Noites africanas tenebrosas…,
povoadas de fantasmas e de medos,
povoadas das histórias de feiticeiros
que as amas-secas pretas,
contavam aos meninos brancos…

E os meninos brancos cresceram,
e esqueceram
as histórias…

Por isso as noites são tristes…
Endoidadas, tenebrosas, langorosas,
mas tristes… como o rosto gretado,
e sulcado de rugas, das velhas pretas…
como o olhar cansado dos colonos,
como a solidão das terras enormes
mas desabitadas…

É que os meninos brancos…,
esqueceram as histórias,
com que as amas-secas pretas
os adormeciam,
nas longas noites africanas…

Os meninos-brancos… esqueceram!…

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Alda Lara – “Prelúdio”

08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela…

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guizos,
nas suas mãos apertadas.

Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro…
Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada…
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?…
Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?…
Quem ouve agora as histórias
que costumava contar?…

Mãe-Negra não sabe nada…
Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!…

É que os meninos cresceram,
e esqueceram
as histórias
que costumavas contar…
Muitos partiram pra longe,
quem sabe se hão-de voltar!…

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É a tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada…

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Alda Lara – “Presença Africana”

08.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

E apesar de tudo,
ainda sou a mesma!
Livre e esguia,
filha eterna de quanta rebeldia
me sagrou.
Mãe-África!
Mãe forte da floresta e do deserto,
ainda sou,
a irmã-mulher
de tudo o que em ti vibra
puro e incerto!…

– A dos coqueiros,
de cabeleiras verdes
e corpos arrojados
sobre o azul…
A do dendém
nascendo dos abraços
das palmeiras…
A do sol bom,
mordendo
o chão das Ingombotas…
A das acácias rubras,
salpicando de sangue as avenidas,
longas e floridas…

Sim!, ainda sou a mesma.
– A do amor transbordando
pelos carregadores do cais
suados e confusos,
pelos bairros imundos e dormentes
(Rua 11…Rua 11…)
pelos negros meninos
de barriga inchada
e olhos fundos…

Sem dores nem alegrias,
de tronco nu e musculoso,
a raça escreve a prumo,
a força destes dias…

E eu revendo ainda
e sempre, nela,
aquela
longa historia inconseqüente…

Terra!
Minha, eternamente…
Terra das acácias,
dos dongos,
dos cólios baloiçando,
mansamente… mansamente!…
Terra!
Ainda sou a mesma!
Ainda sou
a que num canto novo,
pura e livre,
me levanto,
ao aceno do teu Povo!…

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Oitava HORA

10.09.2009 | Produção e voz: Luís Gaspar

Com poemas de Maria Alberta Menéres (3 poemas), Alda Lara (3 poemas(, Alexandre O’Neill (2 poemas), António Maria Lisboa (4 poemas), Cesariny (2 poemas), Fernanda de Castro (5 poemas), Irene Lisboa (3 poemas) e Sidónio Muralha (4 poemas)

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079 – Uma lenda e Alda Lara

03.02.2007 | Produção e voz: Luís Gaspar

Vamos começar o programa de hoje com uma lenda japonesa retirada da Rosa do Mundo da Assírio & Alvim. Seguem-se poemas e notas biográficas de Alda Lara.

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