Nota biográfica

Armando da Silva Carvalho (Olho Marinho, Óbidos, 1938) é um poeta e tradutor português.

Armando Silva Carvalho – “Os óculos do sr. Pessoa”

17.04.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar

oculos13

Ouvi hoje dizer que o poeta sr. Fernando
Pessoa operou uma ruptura
com a lírica tradicional.
Diziam também que pensou em inglês nirvânico
e fez do vocabulário lusitano
a sua pátria.
Tudo isso me parece perfídia
de quem não soube olhar na rua a sua voz.
O poeta sempre soube ser o máximo canibal
entre todos os homens.
Por vezes, o sr. Pessoa, sentava-se nas poltronas
da impotência e deixava arder o vidro
dos seus óculos.
À luz que se acendia sucumbia.
E todas as palavras tremiam a um canto do mundo
cansadas do seu baile de máscaras.
O fulgor da catástrofe
não ofuscava ainda a miopia sábia
dessa estranha – pessoa.
Digam e propaguem isto em memória sua.
Que eu nunca fiz de coisa alguma
a minha pátria.

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Armando Silva Carvalho – “Também as pedras morrem”

10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Também as pedras morrem, disse Vieira
a pensar na eternidade do ser.
Aqui são mais humanas as pedras
no seu rosto inclinado para o sofisma
da água.

Miram-se nela mas não são seduzidas
pela sua passagem;
uma passagem volúvel de quem tem o mar à espera
como um sonho previsto
na loucura encrespada de algum barco.

Os homens servem-se delas para os seus aparatos;
não as deixam limpas no seu pensar
– terrível – e que obrigou Vieira
a dar-lhes sangue
para que nada faltasse ao sacrifício.

Trago de cor a sua vermelha companhia.
E obedeço.
Pisei-as como convém ao meu destino
de pequena coisa transumante.
Não me baixei para elas num beijo
de suborno.

Agora descrevo-as como posso e quero.
Pedras mortais
que se tornam mentais
e são a substância de um panorama surdo,
espessa melancolia,
a solidez da ausência que esmaga
o desespero.

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