Margarida Piloto Garcia – “O mundo da lua”

27.04.2014

Há muitos anos, era parte de mim a lua pendurada no teu corpo. Tu ias e vinhas na noite, num tropel que nem os cavalos do sonho conseguiam acompanhar. Nada era realidade a vestir-me o corpo e apenas o medo penteava os meus cabelos.

Tu seguias imune aos meus apelos, orgulhoso e falsamente convencido de que a estrada do luar era só tua. Agarrada a ténues esperanças, abri-te os braços vezes sem conta, na vã tentativa de que eles fossem abrigo e casulo, fossem caminho e cama de amores lunares. Mas a teia dos segredos a palpitar nos olhos, sempre nos enredou e os lobos a morderem a pele numa luciferina sedução, foram sempre vencedores.

Hoje os dedos doem-me quando toco o luar e me tento demorar na pele do teu corpo.

É em quarto minguante que a lua te recorta, suspirando maresias insensatas e insuspeitas. Nada consigo ouvir, os sons enclausurados num outro universo, nada consigo ver, cega pelas mentiras embrulhadas em papel colorido. E as palavras que poderia dizer ou gritar, calo-as porque perdi as asas de gaivota ao cruzar o último céu.

Com o teu lado escuro tentas agarrar-me num abraço luarento, os olhos postos, não em mim, mas na feiticeira iluminada numa gritante noite azul.

Mas algo se recolhe em segredo, refugiando-se dos gestos gastos e mínimos. Não tenho mais desejos grávidos de ti porque os isentaste de mim.

Agora, só desejo guardar aquele lugar mágico , inviolado e secreto que nunca corrompeste.

Toma para ti o que com esqueléticas razões julgaste ser teu. Deixa-me apenas o mundo da lua.

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