Nota biográfica >>

Eugen Berthold Friedrich Brecht (Augsburg, 10 de Fevereiro de 1898 — Berlim, 14 de Agosto de 1956) foi um destacado dramaturgo, poeta e encenador alemão do século XX. Seus trabalhos artísticos e teóricos influenciaram profundamente o teatro contemporâneo.

Bertolt Brecht – “Canção da Inocência Perdida”

26.09.2014

roupa14

O que a minha mãe dizia
Não pode ser bem verdade:
Que uma vez emporcalhada
Nunca passa a sujidade.
       Se isto não vale pra a roupa
       Também não vale pra mim.
       Que o rio lhe passe por cima
       Breve fica branca, assim.

Como qualquer pataqueira
Aos onze anos já pecava.
Mas só ao fazer catorze
O meu corpo castigava.
       A roupa já estava parda,
       No rio a fui mergulhar.
       No cesto está virginal
       C’mo sem ninguém lhe tocar.

Sem ter conhecido algum
Já eu tinha escorregado.
Fedia aos Céus, como uma
Babilónia de pecado.
       A roupa branca no rio
       Enxaguada à roda, à roda,
       Sente que as ondas a beijam:
       «Volta-me a brancura toda».

Quando o primeiro me amou
Abracei-o eu também.
Senti no ventre e no peito
Ir-se a maldade pra além.
      
Assim acontece à roupa
       E a mim acontecerá.
       A água corre depressa,
       Sujidade diz: Vem cá!

Mas quando os outros vieram
Um ano mau começou.
Chamaram-me nomes feios,
Coisa feia agora sou.
       Com poupanças e jejuns
       Nenhuma mulher se acalma.
       Roupa guardada na arca,
       Na arca se não faz alva.

E veio depois um outro
No ano que se seguiu.
Vi que me fazia outra
Com o tempo que fugiu.
       Mete-a na água e sacode-a!
       Há sol, cloreto e vento!
       Usa-a, dá-a de presente:
       Fica fresquinha a contento.

Bem sei: Muito pode vir
Até que nada por fim, fica.
Só quando ninguém a usa
A roupa se sacrifica.
       E uma vez que apodreça
       Nenhum rio a embranquece.
       Leva-a consigo em farrapos.
       Um dia assim te acontece.

Bertold Brecht, in “Canções e Baladas”

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