Nota biográfica >>

António Lobo Antunes (Lisboa, 1 de Setembro de 1942) é um escritor e psiquiatra português. Entre 1971 e 1973 viveu em Angola, onde participou, como tenente médico do Exército, na Guerra do Ultramar. Posteriormente exerceu a profissão no Hospital Miguel Bombarda, em Lisboa, até 1985. Em 1979 publicou os primeiros livros, Memória de Elefante e Os Cus de Judas, que obtiveram grande êxito

António Lobo Antunes – “Pescador da Marginal”

08.01.2012

o melhor da minha vida
é estar aqui na muralha
com uma cana estendida
para o negrume do rio
as vigias de um navio
e as ondas de fina talha.

Quando chega sexta-feira
despeço-me da mulher
beijo a criança na esteira
ponho um capuz de oleado’
e venho para este lado
no barquinho da carreira.

Vejo as luzes de Belém
reflectidas no alcatrão
milagres que a noite tem
namorados que se beijam
altas árvores que bocejam
e o búzio que as casas são.

Ó minha colcha de estrelas
neste mar cor de basalto
minhas loiras caravelas
navios de especiarias
vogando em ondas macias
num céu tão puro e tão alto.

Saltam infantes barbudos
das naus que vêm de Almada
grumetes frades miúdos
com gengivas de escorbuto
donzelas de triste luto
dançam na luz irisada.

Salta el-rei com seus alões
e as aias da princesa
bobos jograis e anões
escrivães e cardeais
saltam santas de vitrais
e o cronista à sua mesa.

D. João chegou de Diu
D. Pedro de Timor vem
e eu na muralha do rio
a ver os dois enforcados
que os corvos comem em estrados
junto à Torre de Belém.

Convosco esqueço o emprego
quando chega sexta-feira
fico surdo fico cego
não ligo à renda de casa
parado a ouvir uma asa
que me voa à cabeceira.

Meu rio tão negro e tão fundo
bacia do mar da Palha
quero lá saber do mundo
quero lá saber do peixe
quem me ama que me deixe
ficar aqui na muralha.

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