Adélia Prado – “Para perpétua memória”
09.11.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Adélia Luzia Prado Freitas (Divinópolis, 13 de dezembro de 1935) é uma escritora brasileira. Os textos retratam o quotidiano com perplexidade e encanto, norteados pela fé cristã e permeados pelo aspecto lúdico, uma das características o estilo único.
09.11.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Depois de morrer, ressuscitou
e me apareceu em sonhos muitas vezes.
A mesma cara sem sombras, os graves da fala
em cantos, as palavras sem pressa,
inalterada, a qualidade do sangue,
inflamável como o dos touros.
Seguia de opa vermelha, em procissão,
uma banda de música e cantava.
Que cantasse, era a natureza do sonho.
Que fosse alto e bonito o canto, era sua matéria.
Aconteciam na praça sol e pombos
de asa branca e marron que debandavam.
Como um traço grafado horizontal,
seu passo marcial atrás da música,
o canto, a opa vermelha, os pombos,
o que entrevi sem erro:
a alegria é tristeza,
é o que mais punge.
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15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se, depois de eu morrer, quiserem escrever a minha
biografia,
Não há nada de mais simples.
Tem só duas datas a da minha nascença e a da minha
morte.
Entre uma e outra coisa todos os dias são meus.
Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar,
porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi parar mim senão um
acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas
diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos, nunca com o
pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las
todas iguais.
Um dia deu me o sono como a qualquer criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso fui o único poeta da Natureza.
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