Amadeu Baptista – “Jean Metzinger: na pista de ciclismo”
05.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Amadeu Baptista (Porto, 6 de Maio de 1953) é um poeta português. Frequentou a Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Poemas seus foram traduzidos para Alemão, Castelhano, Catalão, Italiano, Inglês, Francês, Hebraico e Romeno.
05.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
estavam os apóstolos na paragem do 90
no rossio e jesus apareceu-lhes.
acima das cabeças elevou-se, sobre cada um,
uma língua de fogo, como que a mostrar-lhes
o caminho para o martinho da arcada,
onde estava combinada uma última ceia.
pedro ia em silêncio, a fumar um puro montecristo
nº. 3, enquanto que tomé pedia ao mestre
para ver as marcas do infortúnio
e tocar, ainda que ao de leve, as cicatrizes.
mateus levantou os olhos um momento
do financial times e ponderou
ser aquele um bom local
para abrir uma loja de câmbio.
joão persignou-se e olhou para maria
madalena, também presente,
carregada de sacos da fnac e do corte inglês,
tendo entrevisto, atrás de uma coluna,
o gang de pessoa, que de súbito fugiu,
por estar em menor número.
tiago, o maior, foi comprar
um braçado de rosas, que entregou
a maria, que, muito consternada,
pediu encarecidamente que a levassem
ao pavilhão chinês, no príncipe real,
para tomar um chá de folhas de jasmim.
felipe meditava, tirando apontamentos
sobre os efeitos nefastos de outra guerra
entre judeus e árabes. tadeu
mascava chiclets, para enganar
o martírio da ressaca, implorando a simão
cinquenta euros para dois gramas de pó,
pelo que foi admoestado com maus modos
por zebeu, que estava a seu lado,
a observar uma negra lindíssima que passava
com as calças muito justas, bordadas
a amarelo com ramagens e pássaros
e uma blusa transparente, toda aberta,
que lhe deixava visíveis, quase completamente,
os seios. andré seguia atrás, vociferando
contra o custo de vida e lembrando-se
do tempo em que era pescador e a abundância
de sardinha era tão grande
que nem sequer tinha cotação no mercado.
bartolomeu vinha no meio, a rogar pragas
pelo trânsito da cidade e a poluição,
e a pensar que, nas próximas eleições,
iria apresentar candidatura ao município
como independente, nas listas do partido.
a dada altura, notaram que judas
não estava no grupo e foram procurá-lo
à praça da figueira, onde andava às moedas,
a guardar carros. então, um transeunte,
reconhecendo o mestre, aproximou-se e disse
que só mesmo por milagre o poderia
encontrar ali e em almada vê-lo a abraçar
lisboa. ao que o mestre retorquiu, ó príncipe,
meu príncipe, não me tentes de novo.
eu faço corpo com a evanescência,
mas não há maior prodígio que escapar ileso
ao trânsito infernal da 24 de julho.
e, isto dito, partiu, de bicicleta.
Posteriormente à gravação, o Poeta procedeu a algumas alterações do texto que ficou com se segue:
Carta dos Coríntios
estavam os apóstolos na paragem do 90
no rossio e jesus apareceu-lhes.
acima das cabeças elevou-se, sobre cada um,
uma língua de fogo, a mostrar-lhes
o caminho para o martinho da arcada,
onde estava combinada uma última ceia.
pedro ia em silêncio, a fumar um puro montecristo
nº. 3, enquanto que tomé pedia ao mestre
para ver as marcas do infortúnio
e tocar, ainda que ao de leve, as cicatrizes.
mateus levantou os olhos um momento
do financial times e ponderou
ser aquele um bom local
para abrir uma loja de câmbio.
joão persignou-se e olhou para maria
madalena, também presente,
carregada de sacos da fnac e do corte inglês,
por ter entrevisto, atrás de uma coluna,
o gang de pessoa, que de súbito fugiu,
por estar em menor número.
tiago, the one, foi comprar
um braçado de rosas, que entregou
a maria, que, cansada da jornada,
pediu, encarecidamente, que a levassem
ao pavilhão chinês, no príncipe real,
para tomar um chá de folhas de jasmim.
felipe meditava, tirando apontamentos
sobre os efeitos nefastos de outra guerra
entre judeus e árabes. tadeu
mascava chiclets, para enganar
o martírio da ressaca, implorando a simão
cinquenta euros para dois gramas de pó,
pelo que foi admoestado com maus modos
por zebeu, que estava a seu lado,
a topar uma negra lindíssima que passava
com as calças muito justas, bordadas
a amarelo com ramagens e pássaros
e uma blusa transparente, toda aberta,
que lhe deixava visíveis os seios fartos.
andré seguia atrás, vociferando
contra o custo de vida e lembrando-se
do tempo em que era pescador e a abundância
de sardinha era tão grande
que nem sequer tinha cotação no mercado.
bartolomeu vinha no meio, a rogar pragas
pelo trânsito da cidade e a poluição,
e a pensar que, nas próximas eleições,
iria apresentar candidatura ao município
como independente, nas listas do partido.
a dada altura, notaram que judas
não estava no grupo e foram procurá-lo
à praça da figueira, onde andava às moedas,
a guardar carros. então, um transeunte,
reconhecendo o mestre, aproximou-se e disse
que só mesmo por milagre o poderia
encontrar ali e em almada vê-lo
a abraçar lisboa. ao que o mestre retorquiu
‘ó príncipe, meu príncipe, não me tentes de novo.
embora eu faça corpo com a evanescência,
mas não há maior prodígio que escapar ileso
ao trânsito infernal da 24 de julho’.
e, isto dito, partiu, de bicicleta.
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