António Botto – “Nem sequer podia…”
19.09.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
António Tomás Botto (Concavada, Abrantes, 17 de Agosto de 1897 — Rio de Janeiro, 16 de Março de 1959) foi um poeta português. A sua obra mais conhecida, e também a mais polémica, é o livro de poesia "Canções" que, pelo seu carácter abertamente homossexual, causou grande agitação nos meios religiosamente conservadores da época.
19.09.2013 | Produção e voz: Luís Gaspar
Nem sequer podia
Ouvir falar no teu nome.
E se fixava o teu vulto,
Irritava-me, sofria
Por não poder insultar-te…
Até que um dia,
– Foi no inverno, anoitecia.
Chuviscava; – uma chuvinha
Impertinente e gelada
Como sorriso de ironia
Numa boca desejada.
Já não sei o que disseste;
Nem me lembro do que disse…
A chuva continuava.
Atravessámos um jardim. E à
luz fosca Dum candeeiro,
Segredaste ao meu ouvido:
Quero entregar-te o meu corpo.
E eu acrescentei: – Pois sim.
A chuva tornou-se densa. Eu ia
todo encharcado. Por fim,
chegámos; entrei…
Um marinheiro descia
Ajeitando a camisola
E compondo os caracóis.
Era uma casa vulgar,
Aonde o amor
– Oculto a todos os sóis,
Se vendia a troco da “real mola”.
Arrependi-me. Blasfemei…
Mas quando abandonei os teus braços
Senti que tinha mais alma!
E nunca mais te encontrei.
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