Nota biográfica

Álvaro de Campos (Tavira ou Lisboa, 13 ou 15 de Outubro de 1890 — ?) é um dos heterónimos mais conhecidos de Fernando Pessoa. Era um engenheiro de educação inglesa e origem inglesa, mas sempre com a sensação de ser um estrangeiro em qualquer parte da África.

Álvaro de Campos – “Nuvens”

05.02.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

No dia triste o meu coração mais triste que o dia…
Obrigações morais e civis?
Complexidade de deveres, de consequências?
Não, nada…
O dia triste, a pouca vontade para tudo…
Nada…
 
Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol
(Também estive ao sol, ou supus que estive), 
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica,
Vaidade, alegria e sociabilidade,
E emigram para voltar, ou para não voltar,
Em navios que os transportam simplesmente.
Não sentem o que há de morte em toda a partida,
De mistério o que há em toda a chegada,
De horrível em todo o novo…
 
Não sentem: por isso são deputados e financeiros,
Dançam e são empregados no comércio,
Vão a todos os teatros e conhecem gente…
Não sentem, para que haveriam de sentir?
 
Gado vestido dos currais dos Deuses,
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício 
Sob o sol, alacre, vivo, contente de sentir-se …
Deixai-o passar, mas aí, vou com ele sem grinalda
Para o mesmo destino!
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho,
Vou com ele sem desconhecer…
 
No dia triste o meu coração mais triste que o dia…
No dia triste todos os dias…
No dia tão triste…

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Unno Ahl – “Nuvens”

13.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

rapariga

Lá em cima
as nuvens da minha infância sobrevivem.

Ganhei e perdi.
Amei.
E aos trinta anos
sinto que sou o senhor do mundo.
Dia a dia contemplo as nuvens
e digo para mim:
só o desejo é eterno.

Sou feliz a meu modo.
Junto do muro branco
uma rapariga beija-me
os seus olhos parecem perguntar me
se o nosso amor vai durar
toda a vida.

Eu sorrio
mas não lhe digo
que só o desejo é eterno.
Todas as manhãs me olho no espelho:
para trás ficou a primavera da minha vida
mas ainda sou o dono do mundo.
E continuarei a sê lo
enquanto no céu
não se esfumarem as nuvens da minha infância
e não se apagarem
os velhos desejos.

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