Nota biográfica

Foi poeta, contista, jornalista e mulher solitária. Escritora durante os anos em que o Estado Novo queria a mulher em casa. Ostracizada pela Revolução de Abril, Natércia Freire acabou por cair num silêncio imerecido. Deixa um legado poético que merece ser (re)descoberto.

Natércia Freire – “Nos dias imaculados”

10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Nos dias imaculados
Em que ninguém bate à porta,
Naqueles dias lavados
Em que sou anjo e sou morta,

Em que da luz dos desertos
Partem chamadas e gritos,
E à flor dos olhos abertos
Se adormecem infinitos…

Tudo a escorrer frio e ordem,
Horas certas e contadas,
Sem que os soluços me acordem
Mesmo a dar-me chicotadas.

E me rasguem pele e calma,
E me atirem para o fundo
– O fundo da minha alma,
O fundo do Fim do Mundo.

E de rojo, como dantes,
Me larguem pelos caminhos.
E me esmaguem os Gigantes
E me intimidem os ninhos.

E ao curso ingénuo dos rios
Me entreguem como uma folha,
Bem ressequida… e bem morta!
P’ra que ninguém me recolha.

Mudas viagens eu faça
Nas águas que ninguém olha.

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