Nota biográfica

Luís Castro Mendes, (Idanha-a-Nova 1950) Escritor português. Formado em Direito pela Universidade de Lisboa (1974), seguiu a carreira diplomática, facto que o tem feito viver um pouco por todo o mundo.

“Sonho”, poema de Luís Castro Mendes.

11.12.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

Numa casa de vidro te sonhei.

Numa casa de vidro me esperavas.

Num poço ou num cristal me debrucei.

Só no teu rosto a morte me alcançava
.

De quem a morte, por terror de mim?

De quem o infinito que faltava?

Numa casa de vidro vi meu fim.

Numa casa de vidro me esperavas.


Numa casa de vidro as persianas

desciam lentamente e em seu lugar

a noite abria o escuro das entranhas

e o teu rosto morria devagar.


Numa casa de vidro te sonhei.

Numa casa de vidro me esperavas.

Fiz do teu corpo sonho e não olhei

nas palavras a morte que guardavas.


Descemos devagar as persianas,

deixámos que o amor nos corroesse

o íntimo da casa e as estranhas

cerimónias do dia que adoece.


Numa casa de vidro. Num espelho.

Na memória, por vezes amargura,

por vezes riso falso de tão velho,

cantar da sombra sobre a selva escura.


Numa casa de vidro te sonhei.

No vazio dessa casa me esperavas.

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“Resposta”, poema de Luís Filipe Castro Mendes.

10.12.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

Sim, andei por fora,
por vezes não reconheço as ruas da minha cidade
e há rostos que me envelhecem o coração.
Mas não tenho dúvidas, não precisa de fazer perguntas,
de ficar atento aos meus mínimos movimentos,
de esboçar por dentro de si o desenho
daquilo a que chama a minha alma.
Os comboios param em estações abandonadas, noite dentro,
e nós saímos, passageiros estremunhados e engelhados pelo frio
para cidades desconhecidas, belas e desertas
como todo o tempo que passou.
Sim, eu sei que estava a fugir ao assunto.
Importa-se de repetir a sua pergunta?

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Luís Castro Mendes – “Soneto da infidelidade”

12.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Toda a poesia é feita de traição
e ao que somos fiéis já não sabemos:
da terra de que vimos só retemos
memórias que nos duram sem razão.

Escondemos na poesia o que não sabe
seu nome nem seu canto na memória:
escondemos na poesia não vitória,
mas restos de viver, o que não cabe

na fria tábua rasa da experiência
destilando sem fim na consciência
o mais fino licor da emoção.

É infiel ao verso a poesia:
nela se apura a noite contra o dia
e a nós mesmos nos trai no coração.

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