Nota biográfica

José Gomes Ferreira (Porto, 9 de Junho de 1900 - Lisboa, 8 de Fevereiro de 1985) foi um escritor e poeta português. Estudou nos liceus de Camões e de Gil Vicente onde teve o primeiro contacto com a poesia. Colaborou com Fernando Pessoa, ainda muito jovem. Está em todos os grandes momentos "democráticos e antifascistas" e colabora com outros poetas neo-realistas num álbum de canções revolucionárias compostas por Fernando Lopes Graça, com a sua canção "Não fiques para trás, ó companheiro".

José Gomes Ferreira – “O Sol”

07.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

O sol é sempre o mesmo e o céu azul

ora é azul, nitidamente azul,

ora é cinza, negro, quase-verde…

Mas nunca tem a cor inesperada.

O mundo não se modifica.

As árvores dão flores,

folhas, frutos e pássaros

como máquinas verdes.

As paisagens também não se transformam.

Não cai neve vermelha, 

não há flores que voem,

a lua não tem olhos

e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima, os homens são os homens.

Soluçam, bebem, riem e digerem

sem imaginação.

E há bairros miseráveis, sempre os mesmos,

discursos de Mussolini,

guerras, orgulhos em transe, automóveis de corrida…

E obrigam-me a viver até à Morte!

Pois não era mais humano

morrer por um bocadinho,

de vez em quando,

e recomeçar depois,

achando tudo mais novo?

Ah! se eu pudesse suicidar-me por seis meses,

morrer em cima de um divã

com a cabeça sobre uma almofada,

confiante e sereno por saber

que tu velavas por mim,
meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,

havias de dizer com o teu sorriso

onde arde um coração em melodia:

“Matou-se esta manhã.

Agora não o vou ressuscitar

por uma bagatela.”

E virias depois, suavemente,

velar por mim, subtil e cuidadosa,

pé ante pé, não fosses acordar

a Morte ainda menina no meu colo…
 

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