Nota biográfica

Foi poeta, contista, jornalista e mulher solitária. Escritora durante os anos em que o Estado Novo queria a mulher em casa. Ostracizada pela Revolução de Abril, Natércia Freire acabou por cair num silêncio imerecido. Deixa um legado poético que merece ser (re)descoberto.

Natércia Freire – “Indefinida”

10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Oh, poesia de andar
suspensa sobre os outeiros!
Poesia de correr
fundida nos ribeiros …
Oh, Poesia de ti,
que em mim estás a viver!
Oh, Poesia de então,
nos jardins, sob o Inverno,
pés na lama do chão,
e o dia, um dia eterno
de Poesia, a morrer!. ..

Poesia dos murmúrios,
dos nevoeiros densos,
dos silêncios sem luz,
dos pecados imensos,
sem gestos, qual a morte,
qual a ausência, sem vida.

Poesia de fechar
os olhos alagados
da Poesia de ti,
dos teus olhos fechados;
Poesia de ser virgem
e casta e indefinida …

Poesia dos passeios
por entre a claridade,
entre árvores tão esguias
que tocavam os Céus,
e as folhas a cair
de um oiro sem idade …

Poesia fabulosa,
de uma riqueza enorme …
Uma Poesia fina,
alada, misteriosa;
Poesia de um passado
que em mim nunca mais dorme!

Poesia perturbada,
Poesia abandonada.
Poesia na prisão,
sufocada, esquecida,
Poesia recalcada,
Poesia maltratada.
Oh, Poesia troçada
da jovem bem-casada
na poesia da vida!…

Ai, dias sem desígnio!
Ai, noites de mistério!
Poesia de ser virgem
e casta e indefinida!. ..

«Passei os pinhais sombrios
as searas mais os rios,
os salgueiros sossegados,
os ventos mais apressados,
as mais líricas montanhas
e as paisagens mais estranhas,
e só fui o que quis ser:
    um espaço longo e deserto
    num destino de mulher»

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