Nota biográfica

Fernando António Nogueira Pessoa (Lisboa, 13 de Junho de 1888 — Lisboa, 30 de Novembro de 1935), mais conhecido como Fernando Pessoa, foi um poeta e escritor português. É considerado um dos maiores poetas da Língua Portuguesa e da Literatura Universal, muitas vezes comparado com Luís de Camões.

Fernando Pessoa – “…de não cumprir um dever”

01.07.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar

oculos

Ah a frescura na face de não cumprir um dever!
Faltar é positivamente estar no campo!
Que refugio o não se poder ter confiança em nós!
Respiro melhor agora que passaram as horas dos encontros.
Faltei a todos, com uma deliberação do desleixo,
Fiquei esperando a vontade de ir para lá, que eu saberia que
não vinha. Sou livre, contra a sociedade organizada
e vestida. Estou nu, e mergulho na água da minha
imaginação. É tarde para eu estar em qualquer dos dois
pontos onde
estaria à mesma hora.
Deliberadamente à mesma hora…
Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida! Até não
consigo acender o cigarro seguinte… Se é um gesto, Fique
com os outros, que me esperam, no desencontro que é
a vida.

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José Ribeiro Marto – “Ah, os velhos como deitam contas aos dias.”

14.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Ah os velhos como deitam contas aos dias
como lançam a danação de uma carta de sobrancelha
ao parceiro de jogada
como rebatem a vida sobre o tampo de uma mesa
como desaborrecem a morte
como só depois vem o poder de uma dor
combatida pelo ruído de uma máquina
pelos pássaros das gaiolas
pelos gatos nos beirais das janelas
ou na franquia dos muros
tudo o que lhes é silencioso é escuro
tudo o que ouvem já não pertence ao mundo
só a noite o sono o soporífero o amuo
Ah o gosto posto nos rituais nos festejos
o tiro que arremessam ao passado
contado até que adormeçam a morte
ou a criem transparente nos nossos olhos

publicado por poemarte

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Eusébio Tomé – “Ah, se todos fossem como o avô”

05.07.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Quando penso em vinho penso no avô
homem do campo arrostando com o sol
parcimonioso, assim como eu sou
afoito na vida e moderado c’o briol

Apenas bebia em ocasiões particulares
ao matar de bicho matinal
ao chegar cedo aos pomares
a meio da manhã, nalgum pinhal

Bebia bem ao almoço, lá p’rás treze
à tarde nem tanto, nada disso
só para matar a sede, várias vezes
e outras com uns nacos de chouriço

De regresso ao lar nada de excessos
Uma breve paragem na taberna
sorvendo de passagem dois canecos
e ala que se faz tarde pela berma

Na ceia farta – janta de trabalhador
permitia-se uma certa relaxação
comia bem, quase com amor
e despejava à vontade meio garrafão

Depois falava e era eloquente
Lembrando que o vinho era dádiva de Deus
sorvia um copinho de aguardente
e vituperava bêbados e ateus

Por fim ia recuperar de toda a canseira
ternamente à avó dando a mão
sabendo consolado que à cabeceira
repousava bem cheio um canjirão

Ah!, se todos fossem como o avô…
cumpria-se o velho desígnio da Nação
embora doendo a quem calhou
matava-se bem a fome a um milhão

(Poema que participou num concurso organizado pelo blogue Porosidade Etérea)

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Fernanda de Castro – “Ah, que bela manhã de Primavera”

15.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Ah, que bela manhã de Primavera!
Abram ao sol as portas, as janelas!
Cheira a café com leite, a sabonete,
a goivos, a sol novo, a vida nova!

A Rua canta!… sinos e pregões,
apitos e buzinas, vozes claras.
–“Gostas de mim?” — “Gosto de ti” — e o céu
cobre a Cidade com seu manto azul.

Ah, que bela manhã de Primavera!

Pousam no Tejo barcos e gaivotas,
com velas novas, belas asas novas.
Os eléctricos voam, transbordantes,
a tilintar, a rir nas campainhas,
e os automóveis, como borboletas,
circulam, tontos, nas ruas sonoras.

Ah, que bela manhã de primavera!

No Tejo, os vaporzinhos de Cacilhas
brincam aos barcos grandes, às viagens,
e o pequeno comboio vai e vem,
como um brinquedo de menino rico.
Confundem-se nas árvores, ao sol,
folhas e asas, pássaros e flores.
É festa em cada rua. Em cada casa,
um canário a cantar, uma cortina,
um craveiro florido na janela.

Despejaram-se armários e gavetas,
frasquinhos de perfume…Toda a gente
foi para a rua de vestido novo,
de fato novo, de gravata nova,
e tudo canta, a Rua é uma canção.

Ah, que bela manhã de Primavera!

–“Gostas de mim?” — é o tema da canção.
–“Gostas de mim?” — pergunta-lhe ele a ela.
–“Gostas de mim?” — pergunta à flor o vento
e a flor ao rouxinol… — “Gostas de mim?”
–“Gostas de mim?”, “Gostas de mim?”
Cheira a goivos, a sol, a vida nova…

Ah, que bela manhã de Primavera!

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Pablo Neruda – “Ah, vastidão de pinheiros…”

10.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Ah vastidão de pinheiros, rumor de ondas quebrando,
lento jogos de luzes, sino tão solitário,
crepúsculo caindo nos teus olhos, boneca,
búzio terrestre, em ti a terra canta!

Em ti os rios cantam e a alma foge-me neles
como tu desejares e para onde tu quiseres.
Marca-me o caminho no teu arco de esperança
e soltarei em delírio a minha revoada de flechas.

Em torno de mim já vejo a tua cintura de névoa
e o teu silêncio acossa as minhas horas perseguidas,
e és tu com os teus braços de pedra transparente
onde ancoram meus beijos e a húmida ânsia faz ninho.

Ah a tua voz misteriosa que o amor escurece e dobra
no entardecer ressoante e morrendo!
Assim em horas profundas sobre os campos eu vi
dobrarem-se as espigas na boca do vento.

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