Nota biográfica >>

Casimiro Cavaco Correia de Brito (Loulé - Algarve, 14 de Fevereiro de 1938) é um poeta, ensaísta e ficcionista português.

Casimiro de Brito – “Quando”

07.01.2012

I
Quando já não se espera nada
a vida, cascata impetuosa, tem outro
sabor: é um grão de luz, uma gota
que nos inunda
e então esse que não esperava nada
abre os olhos e vê e ouve
e tudo em volta são ilhas que se levantam
a brilham.
II
Ando por aqui a ver o mundo
e só vejo buracos e ruínas. Pudesses tu regar
as folhas secas que me invadem o sexo
com o teu mel com as tuas lágrimas.
III
O amor: amêndoa clara
que tu mastigas, primeiro com os olhos,
depois com a boca
insaciável. Fomos tão belos,
tão frágeis e devastados
que os outros da barca nos lançaram
borda fora.
IV
Deuses haverá para quem
um rio e uma abelha
voam um pouco mais perto,
um pouco menos perdidos
na brisa. Deuses haverá.
Que talvez saibam um pouco mais
sobre as abelhas que revivem no sangue
da minha amada. Tal um pé que se aproxima
da sua morada.
V
Envelheci? Bebo a mesma gota de água
de quando mergulhei em ondas que me lembravam
bocas nómadas. Nómada sou eu agora,
descobrindo na minha amada
lagos e abismos e ilhas
que me reconhecem. Sou um deles.
Um cavalo
que pisa as uvas sagradas
que mais ninguém vê: a sede
não espera.
VI
Bebo águas tuas no vaso
que as contém. A gota comovida
vai transformar-se em rio.
Sorvo nas tuas mãos o osso
e a carícia, o cerne mais cru
e a solidão de quem sobrevive
ao sexo ardente. Também eu ardo
onde fui sede e palavras fatigadas.
VII
Eu posso beber um rio
afogar-me nele inundar-me inundá-lo
mas não posso queimá-lo não posso queimar o rio amado
e deixar-me dormir a seu lado —
eu posso beber um rio o teu rio
ou uma lágrima e cantá-la
o que não posso não sei não seria capaz
é afogar-me no rio amado e continuar
em paz.

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