Margarida Piloto Garcia – “Encontro”
03.10.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar
03.10.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar
Se puderes
dobra essa esquina e abre os olhos
para me espreitares por dentro
Em qualquer pedaço de gesto, demora-te.
No intervalo da minha ausência
muda o tempo do verbo, mas não o próprio verbo
Desagua o verso sem pressa e faz fintas à vida
sem esquecer que a felicidade é um abraço
imprevisto
Se puderes
perde o rasto da razão mais-que-perfeita
e sorve o vento embalado num beijo inesquecível
a bater no chão fecundo do meu seio.
Se quiseres
vem com o vazio das mãos ávidas de mim
perseguindo o impensável sem curvas nem ossos
com o tempo a chiar e a tomar para si o pó dos dias
Se quiseres
ama esta inevitabilidade feita de um querer comum
e escreve sobre o amor abrigo ou inquietação
Depois
se puderes
se quiseres
sente as impronunciáveis emoções
e no obsceno arrepio que inventamos
a vida será chama sem palavras
e nada mais importará
(Este poema de Margarida Piloto Garcia foi gravado no âmbito do direito que as pessoas registadas na Loja da Raposa têm de verem gravado um poema seu ou do seu poeta favorito.)
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27.04.2014 | Produção e voz: Luís Gaspar
Há muitos anos, era parte de mim a lua pendurada no teu corpo. Tu ias e vinhas na noite, num tropel que nem os cavalos do sonho conseguiam acompanhar. Nada era realidade a vestir-me o corpo e apenas o medo penteava os meus cabelos.
Tu seguias imune aos meus apelos, orgulhoso e falsamente convencido de que a estrada do luar era só tua. Agarrada a ténues esperanças, abri-te os braços vezes sem conta, na vã tentativa de que eles fossem abrigo e casulo, fossem caminho e cama de amores lunares. Mas a teia dos segredos a palpitar nos olhos, sempre nos enredou e os lobos a morderem a pele numa luciferina sedução, foram sempre vencedores.
Hoje os dedos doem-me quando toco o luar e me tento demorar na pele do teu corpo.
É em quarto minguante que a lua te recorta, suspirando maresias insensatas e insuspeitas. Nada consigo ouvir, os sons enclausurados num outro universo, nada consigo ver, cega pelas mentiras embrulhadas em papel colorido. E as palavras que poderia dizer ou gritar, calo-as porque perdi as asas de gaivota ao cruzar o último céu.
Com o teu lado escuro tentas agarrar-me num abraço luarento, os olhos postos, não em mim, mas na feiticeira iluminada numa gritante noite azul.
Mas algo se recolhe em segredo, refugiando-se dos gestos gastos e mínimos. Não tenho mais desejos grávidos de ti porque os isentaste de mim.
Agora, só desejo guardar aquele lugar mágico , inviolado e secreto que nunca corrompeste.
Toma para ti o que com esqueléticas razões julgaste ser teu. Deixa-me apenas o mundo da lua.
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17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar
Um dia
vou dizer-te palavras bordadas a bilros
traçando um labirinto que tu procuras percorrer com os lábios.
Vou olhar-te com olhos que te falem de mim
e onde as promessas dançam tangos de paixão.
Um dia, um dia…
Vou ensinar-te a percorrer os caminhos que levam ao meu colo
onde descansas a cabeça das intempéries da vida.
Passo a passo
gesto a gesto
carícia a carícia
quebras as barreiras e teces a teia dos desejos.
Um dia
vou surpreender-te e pôr a alma nua nos contornos do teu e do meu
corpo.
O desenho dela vai cantar-te baladas
e as tuas mãos dançarão nas curvas dos meus seios
ao afundar-se em mim como um cisne morrendo.
Um dia
tu vais olhar as minhas rendas pretas e desnudar-me os ombros.
Murmurarás palavras ciciadas, urdindo um feitiço enquanto o sol se
põe.
E inevitavelmente beberás dos meus lábios
a magia que te entardece os dias e inebria as noites.
Saio de madrugada ao teu encontro
a boca tremendo
o coração louco
a pele fervendo na espera do teu toque.
Um dia
vou contar-te este meu sonho.
Talvez quem sabe…um dia.
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