Nota biográfica

António Duarte Gomes Leal (1848-1921) nasceu em Lisboa. Era filho de um funcionário do Estado. Frequentou o Curso Superior de Letras, não chegando a terminá-lo. Ao ler as obras de Marx, Darwin, Renan e Proudhon, entusiasmou-se com o Socialismo, aproximando-se ideologicamente de Antero de Quental e Oliveira Martins.

“Autópsia do Amor”, poema de Gomes Leal.

10.09.2021 | Produção e voz: Luís Gaspar

O Amor — essa paixão romanesca e fagueira —
que os vates têm cantado em bemol comovido,
é, na forma, uma coisa assaz brusca e grosseira,
como o assalto da fera e o ataque do bandido.

Tal e qual como o lobo assalta a cordeira,
a empolga e lhe crava o colmilho atrevido,
assim ataca o Amor. — São da mesma maneira
o Espasmo, a Fúria, o Uivo, o Estertor, o Rugido.

Nas contorsões do Cio e os seus enlaçamentos,
há o ardor da Serpente, a enroscar-se nas preias,
e a estrangular o touro enorme e mugidor.

E quer cheire ao sertão, ou da Lais aos unguentos,
Nos rosais, num covil, ou de Nero nas ceias,
— são sempre os mesmos ais, o Pranto, o Espasmo, a Dor.

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Gomes Leal – “Pregões matinais”

22.02.2015 | Produção e voz: Luís Gaspar

pregoes13

Passo às vezes na cama um dia inteiro
De papo para o ar, como um madraço…
Fumando qual filósofo ou palhaço,
– Sem mulher… sem cuidados… sem dinheiro!

É de manhã então que me é fagueiro
Ouvir trinar no cristalino espaço
Um pregão mais macio que um regaço,
Que se esvai a carpir… como um boieiro…

De manhã é que passa a leiteirinha,
Com seu pregão chilrado de andorinha,
Passam varinas de gargantas sãs…

E ao escutar tais cantantes semifusas,
Eu creio que oiço ao longe as frescas Musas,
– A vender uvas e a pregoar maçãs.

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