Nota biográfica

Capuchinho Vermelho de autoria do francês Charles Perrault. O conto sofreu inumares adaptações, tornando-se parte da cultura popular mundial, e um dos contos mais conhecidas de todos os tempos.

O “Capuchinho Vermelho” de Charles Perrault

17.01.2012 | Produção e voz: Luís Gaspar

Claro que você conhece a história do Capuchinho Vermelho. Aliás, conhece várias histórias do Capuchinho Vermelho incluindo algumas menos recomendáveis. (Não precisa de confirmar.) Mas diga-me lá: conhece a verdadeira história? A primeira? A que apareceu, pela primeira vez, em livro? Sabe quem foi o seu autor?
Então, preste atenção: A história do Capuchinho vermelho aparece, pela primeira vez num livro para crianças de autoria de um senhor francês de seu nome Charles Perrault. Esta história era acompanhada de outras, também nossas conhecidas, como “A bela adormecida”, o “Barba-Azul” o “Gato das Botas”, a “Gata borralheira” e o “Polegarzinho”.
Charles Perrault nasceu em Paris em Janeiro de 1628. Exacto: 1628 e viveu os reinados de Luis XIII e Luís XIV. Na altura o esplendor das letras francesas e a sua condição de académico não lhe permitiram assumir a autoria da obra. Disse ser um trabalho de um dos seus filhos. Só na segunda edição, em 1707 se soube, pela editora, ser ele o verdadeiro autor.
Por curiosidade sempre lhe digo que durante a vida de Charles Perrault, em Portugal, reinava o senhor D. Pedro II e era um tempo de fanatismo e ignorância em que a Inquisição tomava novo alento e os autos-de-fé eram espectáculo rotineiro.

Em 1697 morre o Padre António Vieira que até ao fim dos seus dias tentou chamar a atenção do poder para o “miserável estado do reino”…sem que as suas palavras fossem ouvidas, como, aliás, ainda hoje se prova.
Mas vamos ao texto da primeira versão da história do “Capuchinho Vermelho”. Chamo já a sua atenção para a “Moralidade” que o autor pretende tirar da história.

Eis a história, como a escreveu Charles Perrault por volta do ano de 1.650

O CAPUCHINHO VERMELHO

Era uma vez uma garota da aldeia, a mais bonita que jamais se viu: sua mãe era doida por ela e a senhora sua avó mais doida ainda. Esta boa mulher mandou-lhe fazer um capuchinho vermelho e tão bem ele lhe ficava, que por toda a parte lhe chamavam o Capuchinho Vermelho.
Um dia, depois de ter preparado e cozido um folar, disse-lhe a mãe:
– Vai lá ver como é que está a senhora tua avó, pois me disseram que estava doente. Leva-lhe este bolo e esta tigelinha de manteiga.
E logo o Capuchinho Vermelho se pôs a caminho até casa da senhora sua avó, que morava numa outra aldeia. Ao passar por uma mata, encontrou o compadre lobo, que bastante vontade teve de a comer; mas não se atreveu, por causa de uns lenhadores que por ali andavam na mata. Perguntou-lhe onde ia ela. A pobre menina, que não sabia quão perigoso é dar ouvidos a um lobo, disse-lhe:
– Vou ver a minha avozinha e levar-lhe um bolo, mais uma tigelinha de manteiga que a minha mãe aqui lhe manda.
– E ela mora muito longe? – perguntou-lhe o lobo.
– Oh se mora! – disse o Capuchinho Vermelho. Mora lá por detrás do moinho que vedes lá longe, na primeira casa da aldeia.
– Pois bem! – disse o lobo.
– Eu também lá quero ir vê-la; vou aqui por este caminho e tu por esse; e vamos a ver quem chega primeiro.
O lobo desatou a correr com toda a força pelo caminho que era mais curto e a garota lá foi pelo mais comprido, entretendo-se a apanhar avelãs, a correr atrás das borboletas e a fazer raminhos com as flores que ia vendo.
Não tardou o lobo a chegar à casa da avozinha; bate à porta: truz, truz.
– Quem é?
– É a sua netinha, o Capuchinho Vermelho – disse o lobo, imitando-lhe a voz – que aqui lhe traz um bolo e uma tigelinha com manteiga que a minha mãe lhe manda.
A boa da avozinha, que estava na cama por se sentir um tanto doente, gritou-lhe:
– Puxa pela guitinha que alevantas a tranquinha.
O lobo puxou pela guitinha e a porta abriu-se. Atirou-se à pobre mulher e devorou-a num abrir e fechar de olhos, pois há mais de três dias que não comia.
A seguir fechou a porta e foi deitar-se na cama da avozinha, à espera do Capuchinho Vermelho que, daí a pouco, batia à porta: truz, truz.
– Quem é?
Ao ouvir a voz grossa do lobo, o Capuchinho Vermelho assustou-se, mas julgando que a avozinha estava constipada, respondeu:
– É a sua netinha, o Capuchinho Vermelho, que aqui lhe traz um bolinho e uma tigelinha de manteiga, que a minha mãe lhe manda.
Gritou-lhe o lobo, fazendo a voz um pouco mais fina:
– Puxa pela guitinha que alevantas a tranquinha. O Capuchinho Vermelho puxou a guitinha e a porta abriu-se.
Vendo-a entrar, disse-lhe o lobo escondendo-se dentro da cama por baixo do cobertor:
– Põe o bolinho e a tigelinha com manteiga em cima da arca e vem deitar-te aqui ao meu lado.

O Capuchinho Vermelho despe-se e trata de se meter na cama, onde muito espantada fica, ao ver como é a avozinha em camisa de dormir. E diz assim para ela:
– Que grandes braços que tem, avozinha!
– É para melhor te abraçar, minha filha!
– Que grandes pernas que tem, avozinha!
– É para melhor correr, minha filha!
– Que grandes orelhas, que tem avozinha!
– É para melhor ouvir, minha filha!
– Que grandes olhos que tem, avozinha!
– É para melhor ver, minha filha!
– Que grandes dentes que tem, avozinha!
– É para te comer!
E dizendo estas palavras, o malvado do lobo atirou-se ao Capuchinho Vermelho e comeu-o.

MORALIDADE

Assim se vê que a pequenada. Meninas. principalmente.Sendo gentis e engraçadas.Mal andam em dar crédito a toda a gente. Depois não é de admirar se o lobo vier e as papar.Eu digo o lobo. pois os ditos. Nem todos são iguaizinhos: Há uns que são mais mansinhos. Quietos, ternos, sossegados.
Os quais, brandos, recatados.Vão perseguindo as donzelas até casa e às vezes até se deitam com elas.
Quem não vê. pois. que os lobos carinhosos de todos são decerto os mais perigosos?

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