Nota biográfica >>

Mário Cesariny de Vasconcelos GCL (Lisboa, 9 de Agosto de 1923 — Lisboa, 26 de Novembro de 2006) foi pintor e poeta, considerado o principal representante do surrealismo português. É de destacar também o seu trabalho de antologista, compilador e historiador (polémico) das actividades surrealistas em Portugal.

Mário Cesariny – “A um rato morto encontrado num parque.”

23.06.2014

rato

Este findou aqui sua vasta carreira de rato vivo e escuro ante as
constelações a sua pequena medida não humilha senão aqueles que
tudo querem imenso e só sabem pensar em termos de homem ou
árvore pois decerto este rato destinou como soube (e até como não
soube) o milagre das patas — tão junto ao focinho! — que afinal
estavam justas, servindo muito bem para agatanhar, fugir, segurar o
alimento, voltar atrás de repente,
quando necessário

Está pois tudo certo, ó «Deus dos cemitérios pequenos»?
Mas quem sabe quem sabe quando há engano
nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer
que não era para príncipe ou julgador de povos
o ímpeto primeiro desta criação
irrisória para o mundo — com mundo nela?
Tantas preocupações às donas de casa — e aos médicos — ele dava!
Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?
Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar
e passou nela a roda com que se amam
olhos nos olhos — vítima e carrasco

Não tinha amigos? Enganava os pais?
Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido e
agora parado, aquoso, cheira mal.

Sem abuso
que final há-de dar-se a este poema?
Romântico? Clássico? Regionalista?
Como acabar com um corpo corajoso humílimo
morto em pleno exercício da sua lira?

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