Pablo Neruda – “Para que tu me ouças…”
10.01.2012
Para que tu me ouças
as minhas palavras
adelgaçam-se por vezes
como o rasto das gaivotas sobre as praias.
Colar, guizo ébrio
para as tuas mãos suaves como as uvas.
E vejo-as tão longe, as minhas palavras.
Mais que minhas são tuas.
Vão trepando pela minha velha dor como a hera.
Elas trepam assim pelas paredes húmidas.
Tu é que és a culpada deste jogo sangrento.
Elas vão a fugir do meu escuro refugio.
Tu enches tudo, amada, enches tudo.
Antes de ti povoaram a solidão que ocupas,
e estão habituadas mais que tu à minha tristeza.
Agora quero que digam o que eu quero dizer-te
para que tu me ouças como quero que me ouças.
O vento da angústia ainda costuma arrastá-las.
Furacões de sonhos ainda por vezes as derrubam.
Tu escutas outras vozes na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas suplicas.
Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nessa onda de angústia.
Mas vão-se tingindo com o teu amor as minhas palavras.
Ocupas tudo, amada, ocupas tudo.
Vou fazendo de todas um colar infinito
para as tuas brancas mãos, suaves como as uvas.
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